Opinião
Marques Mendes: eleições no Açores mudaram "dinâmica da campanha" no continente
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes analisa a forma como os resultados eleitorais no Açores vieram "mexer" com a campanha nacional e os debates televisivos.
A VITÓRIA DO PSD NOS AÇORES
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A política não faz milagres, mas tem coisas imprevisíveis. De um dia para o outro pode mudar tudo. Foi o que sucedeu com a vitória do PSD nos Açores. A dinâmica da campanha mudou. É a novidade da semana. O PSD mudou de atitude. O PS mudou de discurso, atitude e estratégia. Comecemos por Luís Montenegro: esta semana parecia revigorado, como se viu nos debates.
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Primeiro, no debate com Mariana Mortágua. Não era um debate fácil. Mariana Mortágua é competente e combativa a debater. Mas Luís Montenegro esteve firme e ao ataque. Depois, no debate com Paulo Raimundo. Era um debate mais fácil. Montenegro aproveitou a oportunidade para passar as mensagens do seu Programa eleitoral.
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Mas a maior vantagem futura de Luís Montenegro, podem ser as divisões que existem no PS sobre o governo dos Açores. É que ao subscrever o "chumbo" do novo Governo Regional, o líder do PS contraria, de uma assentada, dois pesos pesados do partido.
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Por um lado, Francisco Assis, um dos principais apoiantes de PNS, que advogava a abstenção do PS;
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Por outro lado, o próprio PM António Costa que, em novembro de 2015, fixou doutrina oficial: o PS só deve rejeitar um governo minoritário da AD se conseguir formar um governo maioritário alternativo. É PNS a fazer a reversão da doutrina de António Costa. Como recordou Tiago Antunes, um SE que é muito próximo do primeiro-ministro.
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Estas duas questões não deixarão de "aquecer" o debate decisivo entre Montenegro e Pedro Nuno Santos.
A MUDANÇA DE PEDRO NUNO
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A maior mudança no pós-eleições dos Açores aconteceu, todavia, com Pedro Nuno Santos. Mudou a atitude, o discurso e a estratégia. Tudo a partir do debate com o Livre.
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Primeiro, mudou a atitude. Durante semanas PNS andou contido, sóbrio, até cinzento. Nem parecia o mesmo. Parecia descaracterizado. Desde sexta-feira, voltou a mudar. Voltou ao Pedro Nuno do passado. Mais enérgico e combativo. Mais à esquerda, menos ao centro. Como se viu hoje na apresentação do programa eleitoral.
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Segundo, mudou o discurso. "Há um risco real de a AD ganhar", disse PNS no debate com Rui Tavares. Até agora, PNS não reconhecia este risco. Só admitia o cenário da vitória. É uma mudança de discurso.
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Terceiro, mudou a estratégia. Agora o objetivo é falar mais à esquerda, é dramatizar o discurso e fazer um apelo ao voto útil da esquerda. É uma espécie de "tocar a rebate". Tudo está presente nesta frase: "Não estamos em 2022 nem em 2015, quando se perspetivava uma maioria de esquerda". No fundo, é dizer: ou votam no PS ou a AD ganha as eleições.
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Esta mudança é absolutamente legítima da parte de Pedro Nuno Santos. E toda a gente esperava que o apelo ao voto útil à esquerda acontecesse, mais tarde ou mais cedo. A novidade é ter sido antecipado. Por um lado, mostra alguma preocupação da parte do PS. É o efeito dos Açores. Por outro lado, gera um novo problema: vai irritar os partidos à sua esquerda. Correm o risco de ficarem esvaziados. Nalguns casos, pode ser o risco da sua sobrevivência política.
OS DEBATES DE ANDRÉ VENTURA
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Há quem diga que Ventura está pior que em debates anteriores. Há outros que dizem que não. Eu acho que está igual em eficácia e diferente nas mensagens.
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A eficácia é a mesma e é grande. André Ventura é o mais experiente de todos em debates. Experiência que lhe vem dos debates do futebol.
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Nas mensagens está diferente. Mudou de convicções e objetivos. Sobre os Açores já disse tudo e o seu contrário. Os pedófilos e a castração química deixaram de ser prioridades. O objetivo já não é falar para pequenos nichos de mercado, mas para núcleos maiores de eleitores.
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A grande surpresa está no seu Programa Eleitoral, ao defender o direito à greve na PSP e na GNR. É a proposta 67 do Programa Eleitoral do Chega: "Reconhecer aos membros das Forças de Segurança o direito à filiação partidária, bem como o direito à greve". É tudo uma irresponsabilidade.
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Primeiro, a possibilidade de os polícias poderem filiar-se em partidos é um passo sério para as pessoas perderem a confiança nas forças de segurança, na sua isenção e imparcialidade.
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Segundo, a ideia de greve na PSP e na GNR é um convite ao aumento da criminalidade e ao aumento da insegurança pública. As populações ficam desprotegidas e inseguras. Convém recordar que os criminosos não fazem greve nem ficam à espera que a greve dos policias termine.
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Terceiro, surpreende que o Chega diga que quer "Tornar Portugal Seguro" e depois venha fazer propostas que só agravam a intranquilidade e insegurança das pessoas.
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Finalmente, a leviandade ainda maior é na GNR. Como a GNR tem o estatuto de força militar, consagrar o direito à greve aos militares da GNR é abrir o precedente para dentro das Forças Armadas.
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Tudo isto é uma irresponsabilidade. Importa agora perguntar aos líderes do PS e do PSD o que pensam desta proposta mirabolante.
OS EFEITOS DOS DEBATES
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Importa desde já concluir duas coisas:
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A primeira é que os debates têm sido genericamente de boa qualidade e bom nível. Destaco dois: o de Mariana Mortágua com Luís Montenegro, pela forte combatividade nas ideias. E o de Pedro Nuno com Rui Tavares, pela grande intensidade política.
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A segunda conclusão é que as audiências têm sido muito boas. O que prova que as pessoas estão mesmo interessadas na discussão e no esclarecimento. Só não dá para perceber que ainda não se tivesse falado do estado de justiça. Ela que até está na origem destas eleições.
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Para além dos debates de Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos e André Ventura, há outros casos relevantes:
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Primeiro, Paulo Raimundo. É simpático e afetivo, mas falta-lhe traquejo. Em qualquer caso, o problema do PCP não é o líder. É o partido. Perdeu votos com a geringonça. Perde votos com as posições sobre a Ucrânia. E perde o voto de protesto para o Chega. Tem pela frente a eleição mais difícil de sempre.
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Segundo, Rui Rocha. Tem estado bem melhor do que se esperava. Acima das expectativas. O seu problema é a estratégia da IL. Está "ensanduichada" entre dois blocos: a AD e o Chega. Corre o risco de perder eleitores com o voto útil e com a dramatização destas eleições.
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Terceiro, Mariana Mortágua. É competente em todos os debates, porque é combativa e bem preparada. Os seus problemas são outros: primeiro, o risco de perder voto útil para o PS; segundo, não tem a mesma imagem de empatia de Catarina Martins.
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Quanto a Inês Sousa Real e Rui Tavares, não há novidades. Ambos passam bem a respetiva mensagem. Ambos fazem falta no Parlamento. Mas ambos correm o risco sério de perderem votos para o PS e de não se fazerem eleger.
EMPREGO E SALÁRIOS
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Os debates são importantes, mas a vida não se esgota nos debates. Há outras questões que carecem de discussão e aprofundamento. Entre eles está a temática do emprego, do desemprego jovem e da igualdade salarial entre homens e mulheres.
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O INE divulgou esta semana dados que carecem de reflexão. Uns mais positivos. Outros que suscitam preocupação.
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Pela positiva, o crescimento do emprego. A população empregada atingiu em 2023 quase 5 milhões de pessoas. O valor mais alto desde o início da crise financeira em 2008, com o turismo e a construção a liderarem este aumento. Os imigrantes e o crescimento económico ajudaram decisivamente.
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Pela negativa, o desemprego jovem e a desigualdade salarial entre homens e mulheres. O desemprego dos jovens está fixado nos 23,9%; uma taxa quase três vezes e meia superior à taxa geral de desemprego. Por sua vez, no ano passado, em média, as mulheres ganharam menos 15,8% que os homens. A desigualdade salarial aumentou, invertendo uma tendência de descida que se vinha consolidando desde 2013.
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Pela novidade, o teletrabalho. Há no nosso mercado de trabalho uma mudança de paradigma. Antes da pandemia, o teletrabalho era quase residual. Depois da pandemia, parece que veio para ficar: são já quase 900 mil pessoas em regime de teletrabalho ou em regime híbrido (presencial e remoto). Uma aposta cada vez mais significativa na conciliação entre a vida profissional e familiar.
O CRÉDITO À HABITAÇÃO
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Perante um dos temas mais sensíveis, temos este mês duas novidades:
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A primeira é que fevereiro é o primeiro mês de há muito tempo a esta parte em que as prestações ao Banco começam a diminuir. Ligeiramente, nos segmentos com Euribor a 3 e 6 meses. Ainda com um pequeno aumento na Euribor a 12 meses. Em qualquer caso, não havendo sobressaltos, a tendência é de descida gradual. Um fator de esperança.
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A segunda novidade veio de Mário Centeno. O Governador do BP disse ontem que o desejável é que os juros no médio prazo estabilizem nos 2%. Admitindo este cenário, pergunta-se: nesse caso, a prestação que os beneficiários do crédito à habitação pagam ao Banco reduzir-se-ia em quanto? No exemplo de um crédito de 150 mil euros, com Euribor a 6 meses, a prestação mensal que hoje se situa nos 795 Euros reduzir-se-ia para 632 Euros. Uma redução de 20%. Outro sinal de esperança.
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No entretanto, dados do Banco de Portugal em relação a 2023 mostram-nos também que situações excecionais conduziram a respostas excecionais. Assim, as amortizações antecipadas quase duplicaram no ano passado (10 mil milhões de euros de reembolsos antes do tempo previsto); e o valor das renegociações de contratos foi cinco vezes superior a 2022 (quase 9 mil milhões de euros). A previsão da subida dos juros levou as pessoas a os Bancos a "mudarem de vida".