Opinião
Marques Mendes: É escandaloso o privilégio que PS quer dar à Função Pública
As notas da semana de Marques Mendes no seu habitual comentário na SIC. O comentador fala sobre Guterres na capa da Time, o combate à corrupção autárquica, o programa eleitoral do PS, o pós-Rio do PSD, Constâncio no Parlamento e a Lei de Bases da Saúde.
GUTERRES NA TIME
A fotografia de António Guterres na capa da Time é uma das imagens mais marcantes do mandato do Secretário-Geral da ONU – simplesmente GENIAL.
- Primeiro – Pela imagem em si mesma. Se uma imagem vale mais que mil palavras, esta imagem vale mais que todos os discursos do mundo – é impressiva, é certeira e é acutilante. Não deixa ninguém indiferente.
- Segundo – Pela causa que representa. Uma causa que é global, que é urgente e que é mobilizadora – defender o planeta face às mudanças climáticas que nos atormentam.
- Terceiro – pela inteligência do gesto. O Secretário-Geral das Nações Unidas pode não ter o poder de mudar O comportamento dos líderes mundiais. Mas tem seguramente o poder de despertar as consciências da humanidade. E Guterres usa-o com muita inteligência. Ninguém vai esquecer este gesto simbólico e assertivo.
COMBATE À CORRUPÇÃO AUTÁRQUICA
Nos últimos tempos são vários os casos de investigações que incidem sobre comportamentos e decisões no plano autárquico. Da vertente judicial tratam as instituições da justiça. Só elas conhecem os processos face ao segredo de justiça.
Há, porém, algumas reflexões políticas a retirar:
Primeira: está em curso uma mudança de paradigma no plano da investigação judicial. Até há pouco tempo as investigações eram sobretudo centradas no Estado Central. Agora, começa a existir uma atenção redobrada em relação às autarquias locais. É normal. Afinal, um Presidente de Câmara tem hoje um poder superior à generalidade dos Ministros.
Segunda: em função desta mudança de paradigma, não tardarão a surgir uma acusação e uma tentação: a acusação de que os autarcas estão a ser perseguidos pela justiça; a tentação política, sobretudo do PS e PSD, de quererem domesticar a justiça. Não se pode aceitar nem uma coisa nem outra. Em democracia ninguém está acima da lei, incluindo os que são eleitos pelo povo. Uma coisa é a legitimidade democrática. Outra coisa é o cumprimento da lei que a todos obriga.
Terceira: as autoridades judiciais (MP e PJ) devem cumprir livremente a sua missão. A única coisa que se exige é que as investigações sejam sólidas e consistentes, sob pena de a justiça se descredibilizar. É preciso curar da credibilidade das investigações e não do seu sensacionalismo!
PS APRESENTA PROGRAMA ELEITORAL
O Expresso revela as linhas essenciais do futuro programa eleitoral do PS. Detetam-se aqui duas preocupações:
Primeiro: a preocupação de capitalizar a embalagem das Europeias. Vê-se que o PS tinha tudo programado para, a seguir às europeias, reganhar a iniciativa, definir uma agenda política, liderar o debate político. Aí está com as suas bandeiras. O que prova que não brinca em serviço.
Segunda: a preocupação da maioria absoluta. Isso vê-se nas propostas essenciais do PS: mais funcionários públicos; melhores salários para a função pública; mais investimento nos serviços públicos; preocupação de mobilizar novas personalidades à esquerda e à direita. O PS não diz mas está focado na ideia de maioria absoluta.
Há, porém, dois aspectos censuráveis "neste" programa:
- Por um lado, é o escandaloso privilégio concedido à Função Pública e o desprezo pelo sector privado. A Função Pública já tem um tratamento de favor no horário de trabalho (35 horas); no acesso à saúde (ADSE); no salário mínimo (superior ao do privado); na segurança do emprego (não há despedimento). Esta ideia de dois países é chocante e injusta!
- Por outro lado, este programa, com mais funcionários públicos é a prova do erro brutal que foi a reversão das 35 horas. Quatro anos depois, o PS reconhece o erro e agora vai corrigi-lo. Acrescentando mais despesa fixa em tempo de menos economia. É tudo muito sedutor, no imediato. A prazo, ver-se-á a factura.
PSD A PREPARAR O PÓS-RIO
O PSD é um grande enigma e uma enorme preocupação. Não se percebe o que se está a passar no PSD. Está tudo de pernas para o ar. O que devia acontecer não acontece. O que não devia suceder está a suceder.
Tendo perdido as Europeias, o PSD devia estar activo, combativo e a liderar o debate político. Para recuperar o que perdeu. Ao contrário, é um vazio. Um vazio de ideias. A única ideia lançada concreta foi um disparate – cadeiras vazias na AR para votos brancos e nulos); um vazio de oposição ao Governo (na saúde ou nos transportes, o Governo pede desculpa e a oposição está calada); até um vazio de liderança (o líder ainda desaparecido em combate. Nem sequer aparece). O que se passa com o PSD? Estamos a 4 semanas de férias, o PM está em campanha eleitoral e Rio está desaparecido?
Como a política tem horror ao vazio, sucede o que não devia suceder – a preparação do pós-Rio:
- Jorge Moreira da Silva – Depois de um artigo no Expresso, deu uma entrevista televisiva a marcar posição para Outubro.
- Pedro Duarte – Apresenta amanhã o seu Manifesto X, com 10 metas e uma centena de medidas e vai contar com uma declaração de apoio inesperada – o apoio cívico do ex-PR, Ramalho Eanes.
- Luís Montenegro – É o único que está silencioso, porque, como já decidiu avançar, está na dianteira e na pole position, pode-se dar ao luxo de só falar em Outubro para apresentar a sua candidatura à liderança.
CONSTÂNCIO NO PARLAMENTO
Vara esteve no Parlamento. Constâncio volta lá para a semana. Quanto a Vara foi mais do mesmo: ouvindo este homem, completamente descolado da realidade, pergunta-se: como pode ter sido a homem forte da CGD e do BCP?
Constâncio passou a semana a fazer duas coisas: ameaçar jornais com processos judiciais e fazer-se de vítima. Não tem qualquer razão:
- Primeiro, porque ninguém colocou em causa a sua idoneidade. O que se questionou foi a sua competência e eficácia. Constâncio não é um vigarista. O problema é que não foi nem competente nem eficaz.
- Segundo, ele não é vítima. Vítima é o país da sua ineficácia. Basta pensar no BPN. Não viu nada, não fez nada, não evitou nada.
Primeiro: por que é que omitiu que o BP autorizou Berardo a reforçar a sua posição no BCP? Esta omissão é grave e muito suspeita.
Segunda: por que é que em Dezembro de 2007 presidiu a uma reunião no BP com vários accionistas do BCP para preparar uma candidatura à gestão do Banco? Esse foi um momento decisivo do assalto ao BCP. A função do BP não é tratar de escolher os gestores de bancos. Por que é aqui resolveu agir? Enquanto não explicar isto, é suspeito de ser conivente no "assalto" ao BCP.
Terceiro: por que é que autorizou Berardo a reforçar a sua posição no BCP, sabendo que o investimento ia ser feito na base de uma operação especulativa, a garantia das acções, o que não garantia qualquer solidez económica para o futuro? Como dizia há dias a ex-Ministra Constança Urbano de Sousa, era como alguém pedir um empréstimo para jogar no Casino, dando como garantia as fichas do próprio Casino!
LEI DE BASES DA SAÚDE
Primeiro apontamento: não vamos, provavelmente, ter Lei de Bases da Saúde. Ou não passa no Parlamento, porque admite as PPP; ou não passa em Belém, porque proíbe as PPP. Não há drama. Não é nenhuma prioridade.
Segundo apontamento: muita gente diz: é preciso uma nova Lei de Bases porque o SNS se está a degradar. Mentira pegada. O SNS está a degradar-se, sim, e gravemente, mas não é por causa da Lei de Bases:
- É pela falta de investimento entre 2011 e 2015, por força da troika;
- É pela falta de investimento entre 2015 e 2019, por culpa das cativações de Mário Centeno.
Finalmente, as PPP da saúde. A Ministra da Saúde, em Lisboa, acabou com a PPP de V. F. de Xira. O Presidente da Câmara local, Alberto Mesquita, também do PS, disse: "O balanço destes oito anos de existência do hospital é claramente positivo. A qualidade do serviço ali prestado é visível. Não existe nenhuma objeção de princípio quanto ao estabelecimento de parcerias público-privadas, existe sim a preocupação em continuar a ter no concelho a prestação de bons serviços médicos às nossas populações."
Afinal, quem conhece melhor a situação do hospital: a Ministra, que está à distância, ou o Presidente da Câmara, no local?