Opinião
Marques Mendes: Costa “mudou de atitude” porque “está frágil” e “quer salvar a presidência portuguesa da UE”
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário habitual na SIC. O comentador fala sobre o estado da pandemia, quando vamos desconfinar?, a mudança do Governo face à pandemia, a vacinação e as eleições autárquicas. 6. Governo de salvação nacional (4)
O ESTADO DA PANDEMIA
- Um mês depois do confinamento decretado, em que estado é que estamos?
Número de internados – Aqui há uma redução, sim, mas uma redução bastante modesta. A pressão sobre o SNS continua grande.
Número de doentes em UCI – A situação mantém-se estável num patamar muito alto. Ainda não se iniciou uma tendência clara de redução.
Número de óbitos – Há uma redução considerável. Mesmo assim, os números continuam muito elevados.
- Três conclusões a tirar:
Mas os resultados são ainda insuficientes. Sobretudo dentro dos hospitais (internados e doentes em UCI). E a verdade é que o confinamento se fez para evitar o colapso do SNS.
Já se vê uma luz ao fundo do túnel. A prova é que, nos dados a divulgar na próxima semana pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDE), Portugal já não deve ser o pior país da UE. Mesmo assim, não se pode relaxar. O fundo do túnel ainda está distante. Há que ter paciência e esperança.
QUANDO VAMOS DESCONFINAR?
- A grande questão para o futuro é esta: quais são os números aceitáveis para podermos começar a desconfinar? Esta semana, houve duas indicações relevantes: primeiro, uma indicação vinda de um especialista, o Prof. Carmo Gomes, na reunião do Infarmed; a seguir, uma indicação vinda do PR. Ambos apontando, no essencial, para os mesmos números: desconfinar só com 2.000 infetados/dia ou menos; 1.500 internados; 200 doentes em UCI.
- Admitindo que este objectivo é razoavelmente consensual na comunidade científica e política, vejamos o esforço que ainda temos a fazer:
Número de internados – Temos esta semana uma média diária de 5.531 internados; temos ainda um caminho longo a percorrer até chegar a 1.500.
Número de internados em UCI – Temos esta semana uma média diária de 839 doentes em UCI; temos ainda uma grande esforço a fazer para baixar para os 200.
- Em termos de calendário, segundo o PR e o PM, provavelmente nunca antes do fim de Março. E seguramente mantendo, e bem, um regime apertado de limitações à circulação no período da Páscoa para evitar ajuntamentos. O contrário do Natal.
A MUDANÇA DO GOVERNO FACE À PANDEMIA
- Um dos grandes factos da semana é que o Governo mudou a sua atitude face à pandemia. O Expresso até dizia que o PM estava mais pessimista que o PR.
Antes, o Governo queria "salvar o Natal", relaxando e facilitando. Agora, já não quer o mesmo em relação à Páscoa. Não quer nem relaxar nem facilitar.
Antes, o Governo não se entusiasmava com a ideia de massificação de testes, sobretudo de testes rápidos. Agora, mudou de atitude, face às pressões dos especialistas.
- Não tenho dúvidas de que um PM mais exigente e menos facilitista é melhor para o país. Mas a grande questão é: por que é que o PM mudou de atitude? Por três razões essenciais:
Segunda: o PM está muito marcado pelo efeito que esta situação está a ter na Europa e no mundo. A ideia de que somos a Itália ou a Espanha desta segunda fase é um dano forte na imagem e na reputação do país.
Terceira: o PM quer salvar a presidência portuguesa da UE. Mas para a salvar há uma condição indispensável – conseguir realizar no Porto, a 8 de Maio, de forma presencial, a Cimeira da UE e a Cimeira da UE com a Índia. Se não houver cimeira presencial temos um flop. E para haver cimeira presencial é preciso que um mês antes, em Abril, a pandemia esteja controlada e os números estejam ao nível dos melhores da Europa.
A VACINAÇÃO
- A questão nacional: a vacinação no terreno está a correr bem. Estamos em 18º lugar na UE, ligeiramente abaixo da média da União. Estamos a vacinar ao ritmo possível face às poucas vacinas que temos. E as perspectivas apresentadas pelo novo coordenador da task force são positivas – 70% da população vacinada até ao fim do Verão; o país todo até ao final do ano.
- A questão europeia, com influência em Portugal: devíamos hoje ter muito mais vacinais do que temos. A diferença para menos é brutal no 1º e 2º trimestre:
No segundo trimestre – menos 3,7 milhões de doses;
Depois melhora no 3º e 4º trimestres – mais 600 mil doses no 3º trimestre; mais 800 mil doses no 4º trimestre. É aqui que se nota bem o falhanço da UE. A União não foi capaz de impor o cumprimento dos contratos que firmou.
- A questão mundial: esse é outro problema que também nos diz respeito. Um problema simples e grave: os países ricos podem queixar-se do ritmo de recebimento das vacinas mas têm vacinas; os países pobres, esses, só terão vacinas lá para 2024. E isto suscita três problemas.
Um problema sanitário – Enquanto a vacinação à escala global não se fizer, não acaba a pandemia. Não acabando a pandemia, há o risco de surgirem novas variantes do vírus nos países ainda não vacinados. Variantes essas que rapidamente chegam até nós. Não estaremos completamente seguros enquanto o mundo não estiver todo vacinado.
Um problema económico – Uma parte do mundo não vacinada é uma parte do mundo com limitações económicas. O crescimento económico mundial ressente-se. E, ressentindo-se a economia global, isto é mau para todos. Mesmo na UE e em Portugal.
ADIAR ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS?
- Eleições em Outubro ou em Dezembro é-me relativamente indiferente. Sinceramente, acho que numa e noutra hipótese há vantagens e desvantagens.
Assim sendo, acho que vantagens e desvantagens se anulam umas às outras. A vantagem do adiamento para haver mais gente vacinada é anulada pela desvantagem de uma eleição no pico do Inverno.
- O problema maior é outro e pode ser um "berbicacho" enorme: se as eleições autárquicas forem adiadas por dois meses, teremos o OE votado antes das autárquicas. Ora, isto tem consequências sérias: em teoria, pode ser uma vantagem para o Governo e um problema para o PCP.
Um problema para o PCP: pela ordem natural das coisas, o que se espera é que o PCP viabilize o OE. À semelhança do que fez no passado. Só que é um incómodo político enorme para o partido ter que viabilizar o OE em cima de umas eleições. Em vez de aparecer aos olhos dos eleitores como oposição ao Governo, aparece como seu aliado.
- Perante tudo isto, a minha previsão é que o Governo e o PS não vão aceitar a mudança da data das eleições autárquicas. Para não criarem um problema ao PCP, que é o seu aliado mais leal e previsível em matéria orçamental, jogando assim pelo seguro, que o mesmo é dizer garantindo a aprovação do OE depois das autárquicas.
GOVERNO DE SALVAÇÃO NACIONAL?
- Algumas personalidades, à esquerda e à direita, têm vindo a pedir um governo de salvação nacional. Esta semana, o PR disse que "nem pensar". Do que é que estamos a falar? De duas realidades inviáveis e sem sentido.
- Primeira: governos de iniciativa presidencial, chamem-se de unidade ou salvação nacional. Isso não existe. É ficção científica.
- Quem forma governos são os partidos, não o PR. Porque os governos têm que ter apoio parlamentar. E na AR estão representados os partidos, não o PR.
- É certo que governos deste género já existiram. Antes da revisão da Constituição de 1982. Quando o PR tinha mais poderes do que tem hoje. Mas nem sequer deixaram boa impressão. O primeiro nem sequer passou na AR. O segundo nem sequer um ano de vida teve. O terceiro foi só governo de gestão até eleições. Todos deixaram uma marca de instabilidade e conflitualidade.
- Segunda: há também quem pense em governo de bloco central entre PS e PSD. Este é viável constitucionalmente mas é impossível politicamente. Com os dois partidos de centro juntos no Governo, isto significava dar uma força imensa aos extremos. O Chega e o BE passavam a ter uma avenida para crescer. Passavam a ser a verdadeira oposição, radical e populista.
- As soluções propostas, como se vê, são inviáveis. Mas, atenção: por detrás destas propostas, não há só sebastianismo. Há também causas legítimas e pertinentes; desespero com a situação que se vive; desilusão com a acção do Governo; descontentamento com a falta de alternativa. E estas causas merecem atenção. É preciso combater soluções sem sentido. Mas é preciso também tratar das causas que lhe dão origem.