Opinião
Marques Mendes: Aprovar prémios à gestão do Novo Banco é “uma provocação, um comportamento pornográfico”
No seu habitual comentário semanal na SIC Notícias, Marques Mendes fala a polémica de Odemira, a vacinação, os prémios de gestão do Novo Banco, a Cimeira do Porto e as eleições em Madrid.
A POLÉMICA DE ODEMIRA
- Olhamos para o caso de Odemira e percebemos que há, pelo menos, dois países dentro do mesmo país. Um país moderno e europeu, que faz o Web Summit e organiza a Cimeira Social do Porto. Ao lado, um país sem decência, que parece de Terceiro Mundo e que pactua com a violação de direitos humanos fundamentais e com comportamentos desumanos
Não vale a pena estarmos a acusar-nos uns aos outros para saber quem tem mais culpa. Esta situação envergonha o país todo, da direita à esquerda. Há uma responsabilidade nacional. Devemos é unir esforços para resolver este drama.
- Posto isto, também há responsabilidades especiais de algumas entidades:
Das centrais sindicais, sobretudo a CGTP. Quando há um problema na função pública, movimentam-se logo. Aqui, tem havido sistemáticas violações dos direitos dos trabalhadores e nada fizeram.
Das entidades de fiscalização do Estado, a começar pela ACT. Parece que fez umas inspeções e uns relatórios. Resultados? Poucos ou nenhuns. Todos sabiam e fecharam os olhos.
A maior responsabilidade é do Governo. Foi dando cobertura a tudo. Primeiro, com a Resolução do CM de Outubro de 2019, que legitimou o uso de contentores para habitação. Helena Roseta denunciou então este atentado social. Depois com uma realidade que traduz dois mistérios:
- O país saberá que há no Governo uma Secretária de Estado para a Integração e as Migrações? Acho que não sabe, mas há! Chama-se Cláudia Pereira e é suposto tratar destas matérias. Devia ser a primeira a aparecer e a explicar. Só que não aparece, não dá a cara, ninguém a vê, parece desaparecida em combate. Um mistério.
- O segundo enigma: em 4 de Março de 2021, esta Secretária de Estado disse publicamente: "Odemira é exemplo de integração de emigrantes". Exemplo de integração? Com as condições desumanas em que muitos vivem? Uma Secretária de Estado que diz isto está a legitimar tudo. Deve ser por isso que agora nem sequer aparece.
- Finalmente, a requisição civil em Odemira: aconteceu o que sempre acontece com o Ministro Cabrita. Uma trapalhada. O que o Ministro devia ter feito era dialogar com o ZMAR, acordar condições de utilização pelos imigrantes e, só em caso de manifesto desacordo, recorrer selectivamente à requisição civil. Como fez o contrário deu a trapalhada que se vê. Confusão, avanços e recuos.
A VACINAÇÃO
- Comecemos pelo estado da arte:
No plano nacional, estamos com um bom ritmo de vacinação: há já 4 milhões de doses administradas; 2,89 milhões de pessoas já com uma dose; e um milhão de pessoas com vacinação completa.
No plano regional, o Centro e o Alentejo são as regiões com mais doses administradas, mas o equilíbrio é a nota dominante, em Portugal inteiro.
- Questão importante desta semana é o Certificado Verde Digital. Vai ser o grande instrumento para viajar com tranquilidade já neste Varão. Ponto da situação:
- Deverá entrar em aplicação já em meados de Junho. Neste momento decorrem as negociações finais entre CE e PE;
- Será uma espécie de "passaporte", que só usa quem quiser e que só dá para viajar. Não dá, por exemplo, para ida a restaurantes.
- Nesse "passaporte" constarão três dados: se a pessoas está vacinada; se tem PCR negativo e recente; se teve Covid e recuperou. Com um destes três dados o cidadão pode viajar sem restrições e sem quarentenas.
- Outro caso: levantamento de patentes. O Presidente dos EUA teve uma jogada surpreendente e muito inteligente – suspendem-se as patentes para produzir mais vacinas à escala global. Deu a imagem que pensa no mundo e não só nos EUA; deu o sinal de que, também em matéria de vacinas, são os EUA que lideram, não a Rússia e a China que andam a internacionalizar as suas.
- A UE é contra. Acha que esta medida é simbólica mas não é eficaz. Mesmo com o levantamento de patentes, os países mais frágeis não beneficiam. O essencial para a UE é: aumentar a produção; exportar sem limitações; os países ricos doarem vacinas aos países pobres.
- Seja qual for o caminho, com patentes "expropriadas" ou não, essencial é perceber isto: sem vacinar as grandes regiões do mundo (África, Índia, Brasil), não evitamos novas variantes do vírus; sem vacinar os países pobres, agravamos as desigualdades sociais.
- E Portugal bem podia dar o exemplo, doando aos PALOP o excesso de vacinas que vai ter, sobretudo da Astra e da Janssen.
NOVO BANCO
- Em relação ao Novo Banco, há sobretudo três factos essenciais a destacar:
Segundo: prémios de gestão. Enquanto o Estado estiver a financiar o NB, aprovar prémios para a sua gestão é uma insensatez, uma provocação, um comportamento pornográfico. Indigna qualquer pessoa. O que mais devia preocupar os banqueiros era a credibilização da sua imagem e da imagem da Banca. Muitos banqueiros têm-no feito. Mas estas decisões geram efeito contrário. São decisões incendiárias.
Terceiro: grandes devedores à Banca. Há cerca de três anos tivemos na AR o mau exemplo de Joe Berardo. Há poucos dias, tivemos outro mau exemplo – Bernardo Moniz da Maia. São sempre iguais: devem milhões mas nunca sabem de nada, nunca conhecem nada, nunca são responsáveis por nada.
Estes dois maus exemplos não são a imagem verdadeira dos empresários portugueses. A maioria dos nossos empresários é muito melhor do que isto. Só que estes maus exemplos degradam a imagem geral dos empresários. Começa a ser tempo de os líderes empresariais tomarem posições, separando o trigo do joio. Para defesa dos empresários bons, sérios e de qualidade que temos em Portugal.
- Plano politico: um deputado do PSD fez um discurso na AR a admitir que o NB talvez não devesse ter sido vendido. Depois de o PSD ter andado anos e anos a defender o contrário. O que se passa no PSD? É o populismo das redes sociais? É a pressão do Chega? São as sondagens? Convinha ter mais cuidado!
A CIMEIRA DO PORTO
- É óbvio que esta Cimeira é uma vitória pessoal e política de António Costa. Não é uma vitória com resultados imediatos e concretos porque a matéria social é competência dos Estados e não da UE. Mas é uma vitória simbólica, pelo sinal, pela orientação e pela estratégia. Assim:
Foi importante a Cimeira Social. Pelo sinal que deu – a UE não pode ter apenas a dimensão económica, financeira e orçamental; pelas preocupações que exibe – a UE tem 16,9% de desemprego jovem; 21% da sua população vive no limiar da pobreza; a desigualdade salarial é séria – em média as mulheres ganham menos 14,1% que os homens.
Claro que as metas traçadas até 2030 são orientações gerais e aspiracionais. Não são compromissos vinculativos. Mesmo assim, é um caminho que se vai fazendo e que vai gerando resultados.
- Este era o momento mais alto da Presidência Portuguesa da UE. Correu bem. António Costa bem precisava desta vitória. Primeiro, para efeitos internos – para desviar as atenções de uma semana que começou mal com a entrevista ao DN/JN/TSF e continuou pior com a polémica de Odemira. Depois, para efeitos externos – quem aspira a um cargo europeu tem de ir consolidando o seu prestígio nas Cimeiras de líderes europeus.
ELEIÇÕES EM MADRID – EFEITOS EM PORTUGAL?
- As eleições autonómicas em Madrid tiveram fortes surpresas: uma vitória histórica do PP. A decapitação da liderança do Podemos. Uma pesada derrota dos socialistas. Uma crise séria à esquerda. Uma vitória retumbante à direita.
- Apesar deste cenário, tirar ilações para Portugal é um absurdo.
- Primeiro, percebe que seria uma rematada estupidez ir a votos antecipadamente. Segundo todas as sondagens voltava a vencer mas novamente sem maioria absoluta. Então o que teria a ganhar? Nada. Qual era a mais valia? Nenhuma. Teria uma vitória de Pirro.
- Segundo, o que ele pretende mesmo é fazer o mandato inteiro, chegar a 2023 e dar então o lugar a outro na liderança do PS. É o fim de um ciclo. Normal e natural. De resto, na última entrevista ao DN/JM/TSF, perguntado sobre o que faria em 2023, António Costa nem sequer respondeu. Desconversou e não se comprometeu.
- Acresce que Rui Rio prefere ir a eleições em 2023 já sem António Costa do que disputar eleições antecipadas em 2022 contra António Costa. Ele não o diz mas pensa-o.