Opinião
Há risco sério de o OE chumbar? Passou a haver
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a libertação de Armando Vara, o Orçamento do Estado para 2022 e a candidatura de Paulo Rangel à liderança do PSD, entre outros temas.
A LIBERTAÇÃO DE ARMANDO VARA
- A libertação de Armando Vara, antes do prazo normal, beneficiando de uma lei excepcional que já devia estar revogada, é uma vergonha para a política e a justiça. Vara não tem culpa. Mas ele e outros presos estão a beneficiar de um privilégio que já não devia existir.
- Vejamos os factos:
- No ano passado, no pico da pandemia, a Assembleia da República aprovou uma lei para libertar alguns milhares de presos por razões de saúde pública. Havia o risco de a Covid 19 entrar em força nas prisões; e ainda não havia vacinação. Foi uma decisão compreensível.
- Só que a pandemia já está controlada. A vacinação já praticamente acabou, incluindo nas prisões. O problema de saúde pública que existia há um ano já não existe hoje. A lei já devia, por isso mesmo, estar revogada. Só que não está. E "à pala" desta lei excepcional estão a ser libertados presos que não deviam ser libertados. Estão a ser desrespeitados decisões judiciais. Isto até pode ser legal. Mas é imoral.
- De quem é a culpa? Desta vez não é dos magistrados. É do Governo. Dá-lhe jeito esvaziar as prisões. É dos partidos. Já deviam ter revogado esta lei. Claro que o PSD e o CDS até apresentaram projectos para a revogar. E o os Conselhos Superiores de Magistratura e do Ministério Público também defenderam a revogação. Mas Governo e deputados não fizeram o que deviam ter feito. Uma vergonha para a justiça, por causa dos políticos.
O ORÇAMENTO
- Três apontamentos essenciais:
- Este OE é habilidoso mas não é competente. Vende-se bem na opinião pública. Tem sinais simpáticos e atractivos para muita gente: para a classe média; para os pensionistas; para os jovens; para o SNS. Mas não é um OE competente. É tudo poucochinho. E, sobretudo, não se concentra em resolver qualquer problema de fundo da economia.
- Tem obviamente aspectos positivos: a redução do défice e da dívida, embora o crescimento da despesa pública seja assustador; o desagravamento fiscal do IRS, embora seja mais simbólico que real; o apoio às pensões mais baixas, embora seja bastante redutor; o orçamento generoso para o SNS, embora falte saber que melhorias efectivas vamos ter.
- Mas tem um pecado capital: é mais um OE virado apenas para a distribuição de riqueza. Não é um OE preocupado com a criação de riqueza. Faltam políticas que promovam um crescimento sólido e sustentado da economia e um reforço da sua competitividade e produtividade. Este é o ADN da geringonça: são bons a distribuir rendimentos, não são eficazes a criar riqueza. É assim que vamos empobrecendo.
- Quase em simultâneo com a apresentação do OE, os sindicatos médicos anunciaram uma greve. Acho uma enorme precipitação. Os médicos têm toda a razão do mundo nas queixas que fazem. Mas fazer uma greve na altura em que se discute um OE que reforça as verbas do SNS é uma precipitação. Deviam aguardar para ver o resultado da aplicação destas verbas. Deviam exigir ter uma palavra nas mudanças a realizar. E só mais tarde – caso fosse mesmo necessário – é que recorreriam à greve.
CRISE POLÍTICA À VISTA?
- Primeira questão – Há risco sério de o OE chumbar? Passou a haver.
- Há uma semana o risco era baixo. A probabilidade era de o OE "passar". Afinal, é um OE muito igual ao último, que "passou" com o voto do PCP.
- Numa semana diabólica, tudo acelerou. Hoje o risco é maior: 60% de hipóteses de o OE ser viabilizado; 40% de hipóteses de chumbo. É real.
- Daqui a uma semana veremos se a situação melhora ou piora. Depende das negociações que vão ocorrer. Em teoria, nem BE nem PCP querem crise politica. Mas cada um quer que seja o outro a evitá-la. Como não se falam, este jogo de sombras pode dar asneira.
- Segunda questão – O que contribuiu para esta aceleração política?
- Primeiro: o endurecimento da posição do PCP. Vê-se no discurso mais radical; nas propostas(nunca antes o PCP exigia no OE mudanças laborais); nas redes sociais, a ridicularizar o OE; nas mensagens passadas ao Expresso. Tudo porque o sector autárquico, que sempre foi o mais favorável á geringonça, perdeu força dentro do PCP.
- Segundo: a oscilação do Governo. A sensação que há é que o Governo oscila entre querer e não querer eleições antecipadas. Em princípio, não quer. Mas há um limite: o radar de Bruxelas. Se tiver que acolher exigências que o colocam no radar de Bruxelas, então temos eleições.
- Terceira questão: quais são as maiores consequências de uma crise? Quatro.
- Para o país seria uma leviandade. Apesar de o OE não ser brilhante, abrir uma crise politica seria acrescentar mais uma crise à crise económica e social; seria adiar a recuperação; seria prejudicar a utilização de fundos comunitários; seria um péssimo sinal para os investidores: paravam as intenções de investimento; seria a tempestade perfeita.
- Para o PCP e BE pode ser suicídio. Ficavam responsáveis por uma crise altamente impopular. E por derrubarem um governo de Podiam pagar uma factura pesada. Como foi no PEC4. Neste momento nenhum português quer uma crise. Todos querem estabilidade e recuperação.
- Para o PS será um erro enorme. Provavelmente voltava a ganhar eleições. Mas continuava sem maioria absoluta. Era mais do mesmo. Com uma agravante: teria efeitos contraproducentes. Seria uma vitória contra o PCP e o BE. Em conflito com os dois partidos. Assim sendo, com quem é que o PS aprovava os OE seguintes? Voltávamos ao mesmo impasse. Ou pior.
- Para o futuro pode ser a ingovernabilidade total: não haver condições para governar, nem à esquerda nem à direita. Por falta de uma maioria estável.
- Quarta questão: como evitar a crise? Depende sobretudo do primeiro-ministro e do PCP. O primeiro-ministro tem o maior poder de decisão. Mas tem o limite de Bruxelas. O PCP há anos que está num buraco. A geringonça tem sido um pesadelo eleitoral. Tem, por isso, de escolher entre o mal maior e o mal menor. Está a meio da ponte. O mal maior é chumbar o OE e ir para eleições. Depois do desastre autárquico, corre o risco de um desastre nacional. O mal menor é viabilizar o OE, arrecadar ganhos negociais e partir para ser oposição a sério noutras áreas. Numa palavra: se houver racionalidade não há crise. Continuo a acreditar nesse cenário. Mas o risco de irracionalidade passou a ser maior.
A DERROTA DE RIO
- Rui Rio teve uma pesada derrota no CN. Uma derrota de que é o único culpado. Resolveu ter uma ideia absurda: adiar as eleições internas por causa de uma eventual crise politica. Como disse Paulo Baldaia, isto "seria um golpe de Estado interno" no PSD. Rio não tem qualquer razão: primeiro, tomam-se decisões com base em factos e não em ficções; segundo, se houver eleições antecipadas, elas só se realizam depois o PSD escolher o seu líder. Para se agarrar ao lugar, Rio cometeu um erro e teve uma pesada derrota. Em poucas semanas passou de vencedor nas autárquicas a derrotado dentro do partido.
- O caso de Rio é mais sério do que isto: desde que se começou a falar da candidatura de Paulo Rangel, Rio tem dado vários sinais de hesitação e de medo. O maior exemplo é o da sua recandidatura: apesar de ter saído bem das autárquicas, Rio hesita e anda aos ziguezagues. O normal era que tivesse apresentado a sua recandidatura logo a seguir às autárquicas. A verdade é que não o fez. A partir de agora, já parte fragilizado.
- Tudo isto sucede porquê? A meu ver por uma razão de fadiga política. Muitos militantes e eleitores do PSD estão cansados de Rui Rio. Acreditaram nele e criaram grandes expectativas. Hoje, sentem uma grande desilusão. Cansaram-se do estilo de Rio e da forma frouxa como faz oposição. É por isso que Rio hesita e dá sinais de medo: ele sente que já não tem os apoios que tinha.
A CANDIDATURA DE PAULO RANGEL
- Como era previsível, Paulo Rangel formalizou a sua candidatura à liderança do PSD. Rangel tem três vantagens políticas muito fortes nesta eleição:
- Primeiro: unidade do partido. Rangel não foi, ao longo deste quatro anos, um crítico de Rio. Pelo contrário, foi leal e colaborante. Está, por isso mesmo, em melhores condições do que qualquer outro, para fazer a unidade do partido. Para ser um líder agregador. Pode no futuro , com relativa facilidade, federar os que foram apoiantes de Montenegro e de Pinto Luz e federar também os apoiantes de Rio.
- Segundo: qualidade do pensamento político. Rangel é hoje, de todos os políticos do PSD que estão no activo, aquele que tem o pensamento político mais sólido e estruturado. Pensamento político, económico, cultural, europeu e internacional. Fruto das suas qualidades e da sua experiência. Como se viu na qualidade da declaração de candidatura que fez. Ora, o PSD bem precisa de estruturar um pensamento e de construir uma alternativa.
- Terceiro: a forma de fazer oposição. Rangel tem condições para fazer uma oposição mais eficaz. De resto, já o provou nas suas intervenções, em Portugal e no Parlamento Europeu. É assertivo e acutilante. Causa mesmo urticária no Governo e no PM. Ora a democracia precisa de uma oposição forte. É bom para todos. Até para o próprio Governo.
- Se Rangel for eleito, uma coisa é certa: não vai ter muito tempo para construir uma alternativa. Mesmo que o OE para 2022 "passe", o mais provável é que o próximo já não seja aprovado. Conclusão: se não tivermos eleições antecipadas agora, teremos legislativas no início de 2023 e não no final de 2023.