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07 de Abril de 2024 às 21:46

Governo terá de fazer um OE que não gere demasiados anticorpos no PS

O novo Governo, as relações deste com o PS e a questão do Orçamento do Estado para 2025 são alguns dos temas abordados por Luís Marques Mendes no seu habitual espaço de comentário na SIC.

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A POSSE DO GOVERNO

  1. Temos finalmente governo, depois de uma crise longuíssima que começou faz hoje cinco meses. E percebe-se que Luís Montenegro está num mini-estado de graça. Quase tudo lhe tem corrido bem.
  • Os ministros "caíram" globalmente bem na opinião pública. Ficaram acima das expectativas.
  • Os secretários de Estado são menos conhecidos, mas seguem, no essencial, o padrão dos ministros. São escolhas equilibradas.
  • O Governo bateu um recorde de toda a democracia. É o governo que até hoje mais mulheres tem: ligeiramente acima de 40%.
  • E até o discurso de posse do primeiro-ministro foi elogiado pelo seu antecessor. O que não é habitual. É globalmente um bom discurso. Talvez excessivo no tom usado em relação à oposição. Mas com uma boa surpresa: o combate à corrupção. Definir como grande prioridade do País o combate à corrupção tem um grande significado. A verdade é que existe uma perceção de que o combate à corrupção é insuficiente e pouco eficaz. É preciso combater esta ideia.

 

  1. Posto isto, o importante mesmo é começar a governar. Há cinco meses que o País está parado. Daí a importância do debate do Programa de Governo nesta próxima semana. Mais do que discursos de combate político, o que se esperam são discursos de ação concreta: é preciso falar para as pessoas; e começar a avançar com propostas concretas para os problemas das pessoas. Uma espécie de agenda para os próximos dois meses: na educação, na saúde, na habitação, no PRR, no novo aeroporto, nos jovens, nos reformados, nas forças de segurança.

  

A REAÇÃO DE PEDRO NUNO

 

  1. O líder do PS reagiu ao discurso do primeiro-ministro com duas ideias chave: o PS não será muleta do Governo; e é muito difícil viabilizar o OE. Até aqui tudo normal. Pedro Nuno fez o que lhe competia. Não se lhe pode levar a mal. Se a vida do Governo não é fácil, o caminho do Partido Socialista também é estreito. Cada um está a cumprir o seu papel.

 

  1. A questão de fundo, porém, é outra: como viabilizar o próximo OE para garantir estabilidade? Todos têm de fazer um esforço: Governo, PS e Presidente da República.
  • O Governo vai ter que fazer um OE que não gere demasiados anticorpos no PS. Um exemplo: a ideia da baixa do IRC deve ser tratada numa lei autónoma e não no OE. Porque é um ponto de conflito sem retorno entre o Governo e o PS. Ora, a busca de estabilidade requer reduzir o nível de conflito.
  • O PS também vai ter de aproximar posições. Não lhe interessa aparecer como fator de problema. O caminho a seguir pode ser um de dois: ou negociar o OE com o governo, como já advogou Luísa Salgueiro, a Presidente da ANMP; ou viabilizar politicamente o OE, sem se comprometer com o seu conteúdo, como fez Marcelo no tempo de Guterres.
  • Finalmente, o PR. Marcelo tem aqui um importante papel. O papel de, com tempo e discrição, aproximar as partes. Se for uma intervenção em cima da hora, pode ser tarde de mais. Se não tiver discrição, pode gerar ruído. Como diz a Diretora do Negócios, Diana Ramos, é preciso que ninguém perca a face.

 

 

 

GOVERNO SEM ORÇAMENTO?

 

  1. Há algumas vozes que dizem que é possível governar sem OE aprovado. Ou seja, governar em regime de duodécimos. A minha resposta é simples: possível é, mas é uma má solução.
  • Se o OE para 2025 for chumbado, significa que o OE para 2026, também será. Assim sendo, o país viveria na prática dois anos em regime de duodécimos. Sem orçamento durante 2025 e 2026. Até porque de 9 de setembro de 2025 a 9 de março de 2026, o PR não pode dissolver a AR.
  • Ora, viver dois anos sem orçamento é um desastre. Um desastre político para o Governo. Ficava num pântano. Fragilizado e de mãos atadas. E um desastre económico e social. Seis meses em duodécimos aguenta-se. Dois anos, é um pesadelo.
  • Vejamos dois exemplos: viver de duodécimos significaria que os funcionários públicos não podiam ter aumentos salariais em 2025. Porque os aumentos salariais representam mais despesa e em duodécimos os limites da despesa são os do ano anterior. O mesmo se diga das autarquias locais. Em regime de duodécimos, não teriam em 2025 qualquer aumento nas suas transferências do OE. Um regime de duodécimos é uma má solução para todos.

 

  1. No imediato, a solução para o país não é nem abrir nova crise política, nem marcar novas eleições antecipadas, nem governar em regime de duodécimos. A única solução é aprovar o OE para 2025. As pessoas querem estabilidade. É neste objetivo que todos têm de convergir.

 

 

 

O DESAFIO DOS SALÁRIOS

 

  1. Se a viabilização do orçamento é um problema sério, o desafio de fazer crescer os salários é dos mais decisivos. Temos um grande caminho pela frente.
  • Primeiro, o peso dos salários no PIB melhorou ligeiramente em 2023 (47%) mas está ainda aquém do objetivo traçado em sede de concertação social (48%);
  • Segundo, o salário médio teve um aumento real de 2,3% e fixou-se nos 1,505€, mas é um valor ainda muito pouco estimulante;
  • Terceiro, os setores energético e financeiro são aqueles onde se praticam melhores salários, ao invés da restauração, alojamento e agricultura, onde os salários são substancialmente mais baixos: são disparidades demasiado acentuadas.
  • Quarto, a melhor das notícias é que a qualificação gera ganhos salariais: os quadros médios e superiores, mais qualificados, ganham duas/três vezes mais que os trabalhadores menos qualificados. A qualificação é uma grande mais-valia.

 

  1. Aqui está um dos grandes desafios do novo Governo: investir no crescimento económico; apostar em políticas que aumentem a produtividade; reduzir impostos. São estas as receitas essenciais para ajudar a crescer salários. E fazer crescer salários deve ser um grande propósito económico e social.

   

 

O FUTURO DE ANTÓNIO COSTA

 

  1. Importa dizer que António Costa, na hora da despedida, foi muito correto: fez uma passagem de funções impecável; e foi especialmente elegante ao elogiar o discurso do seu sucessor. Dir-se-á que cumpriu a sua obrigação. É verdade. Mas também é verdade que, no passado, nem sempre foi assim. Impõe-se, pois, uma saudação.

 

  1. Já se sabe que o grande desejo de António Costa é rumar a Bruxelas e ser o próximo Presidente do Conselho Europeu. Se isso acontecer é duplamente vantajoso:
  • É bom para o país. Mais um português num alto cargo internacional garante um reforço do prestígio de Portugal.
  • É bom para Luís Montenegro. Para um PM de Portugal que chega agora pela primeira vez ao Conselho Europeu, nada melhor do que ter um "aliado" e um interlocutor próximo dentro deste órgão.

 

  1. Há, todavia, um obstáculo: o processo de investigação que corre no STJ. Ninguém sabe se esse processo é grave ou não; se tem ou não "pernas para andar"; ou se, ao invés, é uma irrelevância. Mas há algo que é incompreensível: é que António Costa não tenha sido ainda interrogado.
  • Faz hoje precisamente cinco meses que a PGR informou o país que António Costa tinha um processo de investigação a correr no STJ. Que cinco meses depois se mantenha a suspeição sem o ex-PM ser ouvido é algo de absolutamente inconcebível.

  

ELEIÇÕES EUROPEIAS

 

  1. Falar de Europa é falar de eleições europeias. Já estão marcadas para 9 de junho. E daqui a vinte dias têm que estar prontas as respetivas listas. Alguns cabeças de lista estão já anunciados:
  • Catarina Martins, pelo BE.
  • João Oliveira, pelo PCP.
  • João Cotrim Figueiredo, pela IL.
  • António Tânger Correia, pelo Chega.

 

  1. As grandes dúvidas situam-se no PS e no PSD/AD:
  • No PS, a única certeza, para já, é que António Costa não será candidato. As dúvidas em relação ao cabeça de lista colocam-se sobretudo entre António Vitorino, Fernando Medina e Ana Catarina Mendes.
  • No PSD, a decisão também está prestes a ocorrer. E o nome mais provável é o de Rui Moreira, o independente que é Presidente da Câmara Municipal do Porto.

 

  

AS GÉMEAS LUSO-BRASILEIRAS

 

  1. O relatório da Inspeção de Saúde esta semana divulgado acaba a concluir tudo quanto já se sabia:
  • Primeiro, as crianças tinham mesmo direito a este medicamento. Mesmo sem qualquer cunha. Administrar o medicamento não era, pois, ilegal. Esta é a boa noticia.
  • Segundo, as más noticias. Nuno Rebelo de Sousa "meteu uma cunha" ao SE Lacerda Sales. Como já antes se tinha constatado. E o gabinete de Lacerda Sales pediu ao Hospital a marcação da primeira consulta. O que não devia ter acontecido.

 

  1. O que falta agora é a conclusão da investigação que está a cargo do MP. É ao MP que caberá explicar se estas falhas são falhas éticas ou se configuram algum ilícito criminal.

 

  1. No entretanto, André Ventura quer avançar com uma Comissão de inquérito parlamentar. Tem esse direito. E tem deputados suficientes para o fazer. Mas não devia avançar já. Enquanto decorre uma investigação judicial, não deve avançar-se paralelamente com uma investigação parlamentar. É assim que deve ser. Mas provavelmente não é assim que vai ser. O que também não é drama nenhum. Dramático mesmo, em todo este caso, é a doença das duas crianças.

 

 

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