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Luís Marques Mendes 05 de Fevereiro de 2023 às 21:26

Marques Mendes: Costa está desmotivado e frustrado

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o primeiro ano da maioria absoluta, o estado da economia e a política da banca nacional quanto aos juros dos depósitos, entre outros temas.

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UM ANO DE MAIORIA ABSOLUTA

 

1.     A perceção pública do primeiro ano de maioria absoluta é negativa. É a ideia de que a maioria absoluta ficou aquém das expectativas. Mesmo assim, há que distinguir entre resultados positivos e aspetos negativos.

·     Aspetos positivos: o elevado crescimento do PIB (6,7%); o desemprego em baixa (6,7%); o forte crescimento das exportações (entre 16% e 18%); o défice em queda (1,3% do PIB); a dívida em trajetória de descida (114,7% do PIB); o acordo de rendimentos celebrado com os parceiros sociais. São, todos eles, aspetos positivos.

·     Aspetos negativos: a ideia de um Governo em decomposição (13 demissões num só ano); as nomeações precipitadas (como Miguel Alves ou Alexandra Reis); a perceção pública de descontrole, instabilidade e falta de iniciativa; vários ministros fragilizados (Agricultura, Educação e Finanças, por exemplo); a perda de 1/3 de eleitores nas sondagens; a TAP como uma inesgotável fonte de problemas para o Governo.

 

2.     Em conclusão: no plano económico, o Governo tem resultados positivos. No plano político teve falhas clamorosas. Este retrato faz lembrar o mandato governativo do antigo primeiro-ministro britânico John Major, nos anos 90 do século passado. Foi a eleições com a economia em alta, mas num estado de grande degradação política. Perdeu as eleições. A política não é tudo mas é essencial para vencer.

 

  

 

AS FALHAS DO GOVERNO

 

1.     Este falhanço político da maioria absoluta deve-se a três razões essenciais:

·     Primeiro: esta maioria veio fora de tempo. No tempo errado. Tarde de mais. Ao fim de quase sete anos de governação de António Costa. Quando o Governo já estava cansado e em perda de energia. Se ela tivesse acontecido nas eleições de 2019, tudo podia ser diferente.

·     Segundo: o Governo da maioria não é um governo novo. É um governo recauchutado. Com a obtenção da maioria, o primeiro-ministro devia ter mudado de governo, de alto a baixo: ciclo novo, governo novo. Optou pelo contrário: manter o mesmo governo, ligeiramente remodelado. O resultado final não é brilhante. Falta energia e ambição.

·     Terceiro: o primeiro-ministro é hoje um homem com alguma desmotivação. E até frustração. Há anos que António Costa tinha um calendário e uma ambição. O calendário era o de sair da liderança do PS e do Governo este ano. A ambição era a de ser Presidente do Conselho Europeu em 2024. As eleições antecipadas e a maioria absoluta deram cabo de tudo: do calendário e da ambição. Isto gera desmotivação.

 

2.     Tudo isto transparece na entrevista que o primeiro-ministro deu à RTP, para assinalar um ano de maioria absoluta. Na forma foi uma entrevista positiva: viu-se um António Costa mais humilde, a reconhecer falhas do Governo. É o efeito das sondagens. As sondagens fazem milagres! Quando são más, os políticos tornam-se mais humildes. No conteúdo, deixa bastante a desejar: falta uma mensagem de futuro, uma ideia mobilizadora para o país, uma causa. É o efeito do cansaço político e da falta de ambição.

 

  

O ESTADO DA ECONOMIA

 

1.     Em termos económicos, Portugal teve esta semana uma boa notícia e uma comparação menos boa. A boa notícia é que o PIB nacional foi o segundo que mais cresceu em 2022 na UE. A seguir à Irlanda. A comparação menos boa é que, se confrontarmos o PIB de 2022 com o PIB de 2019, antes da pandemia, constata-se que há 16 países da UE que nestes três anos cresceram mais do que Portugal. O PIB português é hoje 3,2% superior ao de 2019. Mas há 16 países da UE em que a diferença é bem maior. Com a Irlanda e a a generalidade dos países de Leste á nossa frente. Continuamos a precisar de mais ambição.

 

2.     Para o bom resultado de 2022, contribuíram seguramente as exportações nacionais. Dentro de dias, o INE divulgará os seus resultados quanto a 2022. Mas as previsões são impressionantes: o crescimento real poderá situar-se entre os 16% e os 18%; e o peso das exportações no PIB poderá ficar entre os 48% e os 50%. Há um ano estávamos no patamar dos 42%. É uma mudança de paradigma na economia nacional. Uma reforma económica estrutural feita pelas empresas e não pelo Estado. As empresas exportadoras estão a "puxar" pela competitividade do país.

 

3.     O maior drama continua a pairar sobre as famílias mais carenciadas: na habitação e na alimentação.

·     No crédito à habitação, a prestação da casa teve no espaço de um ano um aumento de 57%. Só 37% desse aumento ocorreu nos últimos 6 meses. E a tendência é de agravamento, face às novas subidas dos juros por parte do BCE. A boa noticia é que os PPR já podem ser resgatados, sem penalização, para pagar prestações dos empréstimos da casa.

·     No cabaz alimentar, o aumento dos produtos essenciais é de 20%, no espaço de um ano. Ou seja: a inflação global está lentamente a baixar. No cabaz alimentar os preços continuam a subir. Uma chamada de atenção para o governo.


FIM DOS EXAMES NACIONAIS?

 

1.     Segundo o Público, há uma "guerra" dentro do Governo: o ministro da Educação quer acabar com os exames nacionais no ensino secundário e a sua colega da Ciência e do Ensino Superior opõe-se. Esta ideia, se for por diante, é um sinal muito errado para a educação e para o país.

·     Primeiro, é um sinal de facilitismo. Se a sociedade é cada vez mais competitiva, a escola não pode dar um sinal de menos exigência. Quem perde são os jovens. Têm uma vida mais fácil na escola. Têm a seguir uma vida mais difícil no emprego. Estão menos preparados. Os exames são um incentivo à aprendizagem.

·     Segundo, é um fator de agravamento das desigualdades sociais. Todos perdem com o fim dos exames e um ensino menos exigente. Mas os jovens oriundos de famílias pobres perdem mais. Não têm alternativa nem complemento à escola pública. Ao contrário dos estudantes provenientes de famílias ricas que estão mais protegidos.

·     Terceiro, o sistema de ensino e os professores ficam sem instrumentos para avaliar as escolas e os alunos que ficam para trás, e adotar as medidas necessárias para combater o atraso, o abandono e a desigualdade.

 

2.     Espera-se que o Governo não cometa este disparate. E, se o cometer, espera-se que o Presidente da República o trave, não promulgando tal lei. Um erro destes tem consequências sérias para toda a sociedade. É fomentar a ilusão: sem exames nacionais, o país fica bem nas estatísticas. Mas paga um preço a seguir. É um país menos preparado para os desafios do futuro.

 

MAUS EXEMPLOS: NO ESTADO E NA BANCA

 

Às vezes, o insólito e o chocante acontecem. Estes três casos não têm nada entre si. A não ser a circunstância de todos eles serem maus exemplos.

 

·     Hospital Militar de Belém. O Estado gastou rios de dinheiro a recuperar este hospital para a pandemia. Mais de três milhões de euros. Agora, finda a pandemia, o hospital está ao abandono, sem qualquer uso ou utilização. Até parece mentira, mas é infelizmente verdade. Simplesmente lamentável.

 

 

·     Juros dos depósitos bancários. Segundo o BCE, a "subida das taxas de juro deve fazer-se sentir nos depósitos para estimular a poupança". Apesar disso, nos principais bancos em Portugal, isso não sucede. Estamos mesmo na cauda da Europa nesta matéria. Fica a sensação de que os bancos são muito rápidos a aumentar comissões e muito lentos a aumentar a remuneração dos depósitos. Nada edificante.

 

·     Professores com filhos deficientes a seu cargo. Já sabemos dos professores que têm de lecionar a quilómetros de distância de suas casas. O que sabemos menos é que vários continuam a fazê-lo, apesar de terem filhos deficientes a seu cargo. E apesar de haver uma lei de mobilidade que os "autoriza", nesses casos, a não se deslocarem para locais distantes. Tudo isto sucede por insensibilidade do Ministério da Educação. Uma insensibilidade chocante!

 

O BREXIT, 3 ANOS DEPOIS

 

Feliz ou infelizmente, o insólito não sucede apenas em Portugal. Também acontece lá fora. Nas melhores e mais avançadas democracias do mundo. O caso do Brexit é paradigmático. Passaram esta semana três anos sobre a data em que o Reino Unido se desligou da União Europeia. Há três anos, a expectativa era enorme. Três anos depois, o sentimento que reina no Reino Unido é de desilusão. Os factos e os números não enganam.

 

·     A economia britânica continua a perder competitividade. Segundo as previsões do FMI, é uma das poucas grandes economias que vai contrair em 2023. Prevê-se mesmo que tenha este ano um resultado ainda pior que o da economia da Rússia, um país que está em guerra.

·     A inflação está alta. Mais alta que a da generalidade dos países da Zona Euro.

 

·     A maioria do país está insatisfeita. 57% dos britânicos dizem, segundo as sondagens, que o Reino Unido está pior do que antes do Brexit.

 

·     O estado de frustração é tão grande que 65% dos britânicos afirmam querer um novo referendo, no prazo de 5 a 10 anos. Não é nada provável que tal aconteça. Nem sequer os Trabalhistas o defendem. Mas o sentimento popular começa a ser muito marcante.

 

 

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