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Luís Marques Mendes 17 de Setembro de 2023 às 21:25

Cavaco Silva foi o primeiro-ministro mais reformador da democracia

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o novo livro de Cavaco Silva, a moção de censura do Chega, a situação no crédito à habitação, o discurso do Estado da União, entre outros temas.

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O ESTADO DA EDUCAÇÃO

  1. A OCDE divulgou dados relevantes sobre a educação em Portugal. Uns são positivos. Outros nem tanto. Mas falta refletir sobre uns e outros.
  • Há dois dados especialmente positivos. De 2015 até 2022, o número de licenciados aumentou (de 33% para 44%). E o número de jovens sem ensino secundário diminuiu (de 33% para 17%). Estamos a seguir a trajetória certa: aumentar as qualificações dos nossos jovens. E o governo tem o seu mérito também nestes resultados.
  • Só que depois pagamos mal a estes jovens, não os retemos cá dentro e eles emigram, não dando o contributo que podiam à economia e à sociedade. A reflexão a fazer é esta: vivemos sempre em contraciclo: antes queixávamo-nos de que o país não crescia porque as nossas qualificações eram baixas; agora temos qualificações bem mais altas, mas queixamo-nos de que as não sabemos aproveitar. Isto não é próprio de um país com ambição. Falta uma estratégia sólida para resolver o problema dos baixos salários.
  1. Depois, há também dados negativos no relatório da OCDE. Sobretudo dois:
  • Ao nível dos docentes, temos dois problemas: primeiro, no quadro da OCDE os salários não são atrativos (estamos em 20º lugar, atrás da média da organização); segundo, os nossos docentes são dos mais envelhecidos.
  • A reflexão é inevitável e deve ser feita antes que seja tarde de mais: a carreira de professor não está a conseguir ser atrativa. É preciso valorizá-la. No salário e no estatuto. Sobretudo para atrair os jovens para a docência. Ninguém ganha com o desprestígio dos professores. Precisamos de professores motivados e prestigiados.

 

NOVO ANO LETIVO

  1. Os problemas do novo ano letivo são semelhantes ao do velho ano letivo. Eventualmente agravados. Mas agora há uma inovação. O Ministro diz que precisa de tempo para resolver os problemas. Soa a desculpa de mau pagador.  Afinal, o governo já leva oito anos de vida.
  • Oito anos de Governo não chegaram para o Governo começar a resolver o problema das residências universitárias? Para cumprir as promessas que fez? O problema não foi falta de tempo. Foi falta de competência.
  • Oito anos de Governo não chegaram para perceber em que anos os professores se iam reformar, fazer o planeamento que se impunha e programar a tempo e horas as substituições necessárias? Isto não é falta de tempo. É falta de competência e organização.
  • Oito anos são uma eternidade. São duas legislaturas. Quando um Ministro, ao fim de oito anos, ainda se queixa do passado ou de falta de tempo, as pessoas desconfiam logo da sua competência e qualidade.
  1. É o que se passa também na Saúde. É quase a papel químico. O Ministro diz que são intoleráveis as filas de espera de madrugada nos Centros de Saúde. Tem toda a razão. Mas o Ministro é que tem poderes para resolver. E o Governo está em funções há oito anos. Mas aqui, na Saúde, há um requinte retórico: o Ministro diz que as manifestações de protesto que existem são manifestações de apoio ao SNS. Por este andar ainda vamos ver um dia destes o Ministro a ingressar nas manifestações e a manifestar-se contra si próprio!
  • Ironia á parte, na Educação como na Saúde, há uma realidade brutal: nunca os dois Ministérios tiveram nos seus Orçamentos tanto dinheiro para gastar como agora; e, todavia, nunca como hoje os problemas nos dois sectores foram tantos e tão profundos. Porquê? Porque não há um projeto transformador. É tudo navegação á vista.

 

CRÉDITO À HABITAÇÃO

  1. Comecemos pela melhor noticia: a inflação está a ser controlada. O BCE espera que esteja nos 3% em 2024 e não prevê novas subida dos juros no futuro. Embora ninguém goste da terapia, o mais grave mesmo é ter uma inflação alta durante muito tempo. É um imposto que afeta sobretudo os mais pobres.
  1. Agora, há que tratar dos danos colaterais da terapia no crédito á habitação:
  • Situação atual: um pesadelo. Num empréstimo de 150 mil euros, o aumento da prestação da casa foi de 77% entre março de 2022, antes do início da subida dos juros, e setembro de 2023.
  • Evolução futura: um pequeno sinal de esperança. Segundo as previsões da Deco Proteste, o valor da prestação tende a estabilizar no primeiro semestre de 2024 e a baixar ligeiramente no segundo semestre.
  • Outro sinal de esperança vem da renegociação de contratos. Em 2022, os bancos renegociaram cerca de 600 milhões de euros de crédito à habitação. Neste ano de 2023, só até julho, o valor das negociações foi quase sete vezes maior: cerca de 4 mil milhões de euros de valor renegociado.
  1. Só que tudo isto é insuficiente. Por isso, o Governo aprovará na próxima semana medidas de ajuda ao crédito à habitação: maior apoio à bonificação de juros e uma espécie de moratória no pagamento de juros. As medidas parecem ir na boa direção. Mas pergunta-se: porquê só agora? Porque não há seis meses, quando o drama social já era grande? Em especial a medida de adiamento parcial por dois anos do pagamento de juros? Durante os dois próximos anos, paga-se menos de juros. Nos anos seguintes, paga-se um pouco mais, para compensar. Como não custa dinheiro, por que não foi tomada mais cedo?
  1. No entretanto, continuam as disparidades entre o que os bancos cobram nos empréstimos e o que pagam nos depósitos a prazo. Segundo dados do BCE, somos o 5º país com juros dos depósitos a prazo mais baixos no quadro dos 20 países do Euro. Uma situação fácil de compreender. Os bancos não precisam de mais depósitos. Mas difícil de aceitar no plano da ética e sensibilidade social.

 

MOÇÃO DE CENSURA DO CHEGA

  1. É uma Moção de Censura sem história.
  • Primeiro, porque o Governo tem maioria absoluta. Por isso, não é possível cair no Parlamento. Logo, esta iniciativa é uma inutilidade.
  • Depois, porque o Governo merece ser censurado, mas não deve ser derrubado. Censurado, sim. E nos casos da Saúde, Educação e Habitação há mesmo boas razões para censurar. Mas governo censurado, não deve ser sinónimo de governo derrubado. Goste-se ou não do Governo, ele foi eleito para governar quatro anos. E para ser julgado no final do mandato. Foi isso o que os Portugueses disseram nas urnas ao darem uma maioria absoluta ao Partido Socialista.
  • Terceiro, porque a democracia tem regras. Uma das mais importantes é que os mandatos dos governos devem ser cumpridos. Por isso, não faz sentido dissolver o Parlamento ou interromper a legislatura.
  1. O PSD demarcou-se desta moção. E fez bem.
  • Primeiro, porque, se um dia o PSD quiser aprovar uma Moção de Censura, deve ser ele próprio a apresentá-la. Não deve votar uma Moção de terceiros.
  • Segundo, porque, se o PSD tiver a tentação de, um dia, pedir eleições antecipadas, quando chegar ao poder vai-lhe acontecer o mesmo. À primeira ou segunda dificuldade que tenha pela frente, a oposição vai pagar-lhe na mesma moeda: vai pedir a queda do Governo. É o princípio de que "quem semeia ventos colhe tempestades". O melhor caminho é o da coerência: defender a estabilidade e as regras da democracia. Seja em que circunstâncias for. No poder ou na oposição. E exigir do governo medidas e soluções. 

 

O LIVRO DE CAVACO SILVA

  1. Cavaco Silva lançou mais um livro. Uns gostam, outros não. É normal. O que não é normal é o coro de críticas à iniciativa, antes mesmo de o livro ser apresentado e de se conhecer o seu conteúdo. Isto parece preconceito e falta de tolerância democrática. Primeiro, como cidadão, Cavaco tem todo direito de intervir. Como teve Mário Soares, depois de sair de Belém. Depois, como ex- PM tem até o dever de o fazer. Um ex-PM ou um ex-PR, de direita ou de esquerda, tem o dever de escrever e dar conta ao País da sua experiência e conhecimento. Ora Cavaco Silva, goste-se ou não, foi o PM mais reformador da democracia e o único político com quatro maiorias absolutas, sempre acima de 50% de votos. Algo de irrepetível. Tem uma experiência política e governativa única, que deve ser contada. Depois cá estamos nós para avaliar, concordando ou discordando.

 

  1. O que Cavaco Silva fez agora, foi, de resto, o que outros fizeram, e bem, no passado. A começar por Ramalho Eanes, que foi um grande PR, num tempo dificílimo, que é uma referência cívica e política obrigatória do País. E que continua a escrever textos que são uma mais-valia.
  • Depois Mário Soares. Goste-se ou não, Soares foi o maior combatente pela liberdade e pela Europa. Evitou que o PCP tomasse conta do País e foi visionário na integração europeia. Ou Jorge Sampaio, um grande Senhor da política, um homem de convicções e um PR com enorme sentido de Estado.
  • Todos, á esquerda e á direita, tiveram erros e falhas. Mas todos, á esquerda e á direita, merecem ser lidos e ouvidos com a maior atenção e respeito. São referências de enorme experiência e conhecimento. Quase 50 anos depois da Revolução, já é tempo de haver menos preconceito e mais maturidade e tolerância democrática.

O DISCURSO DO ESTADO DA UNIÃO

  1. Ursula von der Leyen fez um grande discurso: o discurso do Estado da União. Cada vez mais, a Presidente da Comissão Europeia é a grande líder da UE. Tem hoje um peso político muito semelhante ao que tinha o visionário Jacques Delors nos anos 80 e 90 do século passado. E mostrou-o, uma vez mais, neste discurso. O grande destaque foi dado naturalmente à questão do alargamento da UE à Ucrânia e ao anúncio de que esse alargamento pode ser feito mesmo antes de se alterar o Tratado da UE. Uma opção determinada, mas arriscada.
  1. O discurso é, porém, bem mais abrangente. Com o sinal de que mais do que um discurso de balanço de mandato, parece ser um discurso de recandidatura a um novo mandato. Vejamos os maiores destaques:
  • Pacto Ecológico Europeu: o anúncio de que na UE há hoje mais investimento em hidrogénio limpo que nos EUA e na China juntos e que este é o caminho a prosseguir.
  • Vendas de Carros Elétricos: o anúncio de um inquérito a eventuais práticas desleais da China na venda de carros elétricos na UE a preços muito mais baratos, por alegadamente terem subvenções estatais.
  • PME na Europa: o anúncio da criação de um representante da UE para as PME, diretamente da Presidente da CE. Objetivo: combate à burocracia.
  • Competitividade futura da UE: o anúncio de que foi encomendado um estudo a Mario Draghi, ex-Presidente do BCE, sobre o futuro da economia da UE.
  • Inteligência Artificial: o anúncio da criação de um regulamento para a utilização segura e ética da IA na Europa e no Mundo. Uma iniciativa muito pertinente.
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