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Luís Marques Mendes 16 de Julho de 2023 às 21:24

Adão e Silva "tinha um objetivo claro: tentar desviar as atenções do relatório da TAP"

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Luís Marques Mendes fala sobre o envelhecimento da população, o relatório final da TAP, a polémica em torno das declarações do ministro da Cultura, as buscas ao ex-presidente do PSD Rui Rio e sobre o caso do deputado Pinto Monteiro.

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PORTUGAL A ENVELHECER

1.     Numa semana muito marcada por casos da justiça e da política, passaram relativamente desvalorizados, a propósito do Dia Mundial da População, alguns dados impressionantes sobre o envelhecimento e a desertificação do país. 


2.     Vejamos o essencial:

·      Envelhecimento: o país está a envelhecer a um ritmo acelerado. Nos últimos 10 anos, o número de portugueses com mais de 65 anos passou de 2 milhões em 2012 para 2,5 milhões em 2022. Um aumento de 22%. Em duas décadas o aumento foi de 47%. E há municípios em que, já hoje, cerca de 50% da população tem mais de 65 anos. Um problema sério.

·      Desertificação: este é outro problema sério. Por um lado, a distribuição regional da população portuguesa é cada vez mais desigual. No litoral, concentra-se 82% da nossa população; nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto está 44% da população; e nos concelhos fronteiriços já só resta 4% da população nacional. Por outro lado, há municípios que nos últimos dez anos perderam cerca de 20% da sua população. Numa única década é uma perda assustadora.


3.     A imigração não é solução milagrosa para estes problemas. Mas ajuda muito. Uma estratégia inteligente de atração de imigrantes pode ajudar a rejuvenescer o país e combater a perda de população.


O RELATÓRIO FINAL DA TAP


1.     O relatório final tem pequenas alterações formais. Substantivamente manteve-se na mesma. A ponto de a polémica até ter aumentado de tom: primeiro, porque o deputado socialista e ex-Presidente da CPI, Seguro Sanches, veio dizer ao Público que não subscrevia este relatório; depois, porque o próprio PR admitiu publicamente falar do assunto no próximo Conselho de Estado.

 
2.     Vejamos os factos politicamente mais gritantes:

·      O SE Hugo Mendes: conhecia a indemnização a Alexandra Reis. Tentou interferir na TAP pedindo a alteração de um voo do PR. Interveio numa resposta da TAP ao Governo. Assumiu culpas e demitiu-se. Mesmo assim, o relatório iliba-o. Só falta pedir a sua reintegração no Governo.

·      O ex-Ministro Pedro Nuno Santos: autorizou a TAP a indemnizar Alexandra Reis. Sabia da indemnização e aprovou o seu valor. Assumiu responsabilidades e demitiu-se. Mesmo assim, o relatório iliba-o.

·      O Ministro Galamba: o relatório diz que os acontecimentos no Ministério são graves. Mas quem é politicamente responsável? Quem "manda" no Ministério? Não responsabilizar ninguém significa ilibar o Ministro.

 
3.     Este relatório não é mau apenas para a democracia. É também mau para o próprio Governo. Um governo de maioria ganhava em ter espírito de abertura, de equilíbrio e de reconhecimento dos seus próprios erros. Afinal, a imagem que passa é a de falta de isenção e poder absoluto.

 

A POLÉMICA COM ADÃO E SILVA

1.     A propósito da CPI à TAP, o Ministro Adão e Silva fez declarações politicamente fortes que surpreenderam muita gente. Por que é que, de repente, surgiu um novo protagonista politico? Por que é que o Ministro da Cultura se multiplicou em tantas entrevistas e declarações politicas? Foi a surpresa de muitos. Compreende-se a surpresa, mas é fácil de explicar:

·      Adão e Silva é o número 2 político do Governo. Este Governo tem o nº 2 formal, Mariana Vieira da Silva; o nº 2 real, Fernando Medina; e o nº 2 político, Pedro Adão e Silva. O Ministro mais político deste Governo.

·      Sendo o nº 2 político, Adão e Silva passou a fazer combate político. Para evitar que o PM tenha de "ir a todas as situações" e se desgaste. Assim, Adão e Silva passa a fazer neste Governo o papel que Santos Silva fazia no Governo Sócrates. Santos Silva "malhava" na direita e na esquerda. Adão e Silva "atira-se" aos deputados e comentadores.
 

2.     O Ministro fez estas declarações polémicas porque tinha um objetivo claro: tentar desviar as atenções do relatório da CPI da TAP. O Ministro tem todo o direito a criticar os deputados. Em democracia ninguém está acima da critica. Só que exagerou e isso virou-se contra si:

·      Primeiro, porque a linguagem que utilizou nas criticas aos Deputados não é própria de um Ministro.

·      Depois, porque não é credível criticar alguns excessos dos Deputados da CPI e não criticar o excesso de sectarismo do relatório.

·      Finalmente, porque foi surpreendido por críticas de várias figuras do PS: antigos ministros e atuais deputados. Falar em nome do governo e ser criticado por apoiantes do próprio governo não é brilhante.

 

AS BUSCAS A RUI RIO

1.     Há aqui três problemas: primeiro, uma precipitação do MP; depois, um abuso nas buscas; finalmente, o risco de controlar investigações judiciais a politicos. Vamos por partes. A precipitação dá-se em dois planos:

·      Primeiro, se o MP queria fazer uma investigação – e tem esse direito – devia alargá-la a todos os partidos onde a prática de pagamento a assessores é semelhante. É certo que há uma queixa no caso do PSD. Mas, a bem do bom senso, a investigação deveria ser transversal e alargada. Situações iguais devem ter tratamento igual. Foi assim há 25 anos na investigação às viagens ilegais de deputados.

·      Segundo, ao contrário do que sucedeu nas viagens ilegais de deputados, aqui não há abuso de dinheiros públicos. É que havendo mais ou menos assessores, trabalhando eles no partido ou no GP, pagos pelo partido ou pelo GP, o dinheiro é sempre público e é sempre o mesmo. Nem mais nem menos. Não há lesão do Estado. Há, sim, muita ignorância.

 
2.     O abuso está nas buscas a Rui Rio e outras pessoas. Com mais aparato e mais inspetores do que nas buscas do caso ALTICE onde estão em causa milhões. Simplesmente inaceitável.

·      Se o MP quer investigar e precisa do relatório da Deloitte e dos contratos com os funcionários, faz buscas na sede do partido. Estão lá todos os documentos. Não precisa de ir a casa de Rui Rio. Isto é um abuso, que afeta a imagem de uma pessoa séria e íntegra.

·      O MP foi a casa de Rui Rio por puro espetáculo. Um espetáculo perigoso. É o MP a querer dar espetáculo nas televisões. Para fazer prova de vida. Para amedrontar os políticos. Para insinuar que os políticos não são gente séria. Para dar a perceção que a política é atividade de gente impura ou criminosa.  Isto é um abuso. Nos partidos há gente séria e não séria. Não se mete tudo no mesmo saco.

 
3.     Finalmente, o risco de se pretender controlar investigações judiciais. Há algumas pessoas que gostariam de aproveitar estas críticas justas aos exageros do MP para mudar as leis e passar a interferir ou controlar as investigações judiciais. Em especial, as investigações a políticos. Seria igualmente inaceitável. A minha posição é outra: acabar com os abusos e espetáculos na justiça, sim; mas investigar com total liberdade e independência, políticos ou não políticos. Era o que faltava acolher qualquer tentação de controlar investigações, designadamente no combate à corrupção. No meio de tudo isto, a PGR fez umas declarações que provam o que ela é: uma inexistência total.

 
PINTO MOREIRA ACUSADO

1.     No caso Rui Rio há razões para criticar o MP. No caso Pinto Moreira há razões para o elogiar. Não sei, nem tenho que saber, se a acusação do MP ao Deputado do PSD Pinto Moreira é justa ou injusta. Isso compete aos tribunais.

·      O que sei é que, neste caso, o MP agiu como deve ser: foi rápido a investigar. Demorou menos de um ano. O que permite ao deputado não ficar eternamente a queimar em lume brando. Devia ser sempre assim.

·      É certo que há uns processos mais complexos do que outros. Mas também há magistrados mais eficazes do que outros. São todos independentes, mas há uns mais profissionais do que outros. Há vários MP dentro do MP.

 
2.     Uma acusação de corrupção não é uma acusação qualquer. É uma acusação grave. Por isso, o Deputado Pinto Moreira só tem um caminho: abandonar já o seu lugar de deputado. Agarrar-se ao lugar é uma vergonha. Alguém que pede dinheiro para aprovar obras, e que incorre em corrupção, não é digno de estar no Parlamento. Eu li as escutas que estão na acusação. São gravíssimas. Não sei como é que estas pessoas ainda têm o desplante de ir à AR, receber vencimento do Estado e dizer que defendem o interesse público.

 
3.     Entretanto, falando ainda de corrupção, o PM escreveu ontem um artigo no Observador, a explicar que não desvaloriza o combate à corrupção. Como fui dos primeiros a fazer-lhe essa crítica, direi o seguinte:

·      Vê-se que o PM está incomodado. Mas foi ele que deu azo ao incómodo. A prova é que toda a gente ao longo da semana teve o mesmo entendimento. O que significa que passou a ideia de que o PM desvalorizava mesmo o combate á corrupção. Ora estas questões não se devem desvalorizar. Por isso, o PM fez muito bem em esclarecer. Mesmo com uma semana de atraso.

 
CRISE NA SAÚDE?

1.     No meio deste frenesi de casos até passou despercebida uma importante declaração ao Público e à RR do ex-Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes: "O pior que Fernando Araújo está a fazer é aceitar uma situação inaceitável". O que o ex-Ministro está a dizer é o seguinte: ou o Governo aprova rapidamente o estatuto da Direção Executiva do SNS ou o seu Presidente Fernando Araújo vai demitir-se.

 
2.     O que há de importante em tudo isto?

·      O Estatuto da Comissão Executiva do SNS está por aprovar há cerca de oito meses, acantonado no impasse das negociações entre Finanças e Saúde. Algo de inaceitável.

·      Adalberto Campos Fernandes, além de muito inteligente e intuitivo, é amigo íntimo de Fernando Araújo e já foi seu Ministro. Sabe do que fala e não disse o que disse por acaso.

·      Fernando Araújo está muito incomodado com o bloqueio na aprovação do Estatuto, a ponto de vários gestores hospitalares já terem percebido que ele pode chegar ao ponto de se demitir em setembro.

·      Ou seja: ou o estatuto da Direção Executiva do SNS é aprovado nas próximas semanas (até pode ser já na próxima semana) ou então em setembro teremos a demissão de Fernando Araújo.

·      Convinha evitar mais uma crise no SNS.
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