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Opinião
07 de Abril de 2019 às 20:58

Notas da semana de Marques Mendes

As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o pedido de resgate feito há 8 anos, as relações familiares no governo, a transparência e os conflitos de interesses, a polémica do relatório da OCDE e o Brexit, entre outros assuntos.

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PEDIDO DE RESGATE HÁ 8 ANOS

 

  1. Passou despercebido a praticamente toda a comunicação social. A verdade, porém, é que fez ontem, 6 de Abril, precisamente 8 anos que José Sócrates fez o pedido de resgate a Portugal
  2. Se hoje estamos numa situação radicalmente diferente, isso é mérito:


    a) Em primeiro lugar, dos portugueses
    , que suportaram sacrifícios enormes que afectaram o seu nível de vida;

    b) Em segundo lugar, mérito do Governo anterior. Goste-se ou não se goste desse Governo, é impossível não reconhecer a sua coragem para cumprir o programa acordado e terminar o resgate no prazo previsto. Pagou um preço político mas "levou a carta a Garcia".

    c) Finalmente, mérito do actual Governo pelo seu trabalho sobretudo em dois domínios: na redução do défice, prosseguindo o trabalho anterior; e na coesão social, sobretudo através da redução do desemprego e da devolução de rendimentos.

     

  1. Quanto ao futuro, os dados hoje existentes não permitem, felizmente, pensar num cenário sequer parecido com o de há 8 anos. Há arrefecimento da economia mas não espectro de bancarrota. Mesmo assim, convém pensar no que ontem dizia com lucidez Pedro Santos Guerreiro: a despesa do Estado é fixa, a receita, essa, é variável em função do crescimento da economia. Subir excessivamente a despesa do Estado hoje pode ser um problema sério quando a economia arrefecer e houver menos receita.

 

RELAÇÕES FAMILIARES NO GOVERNO

 

  1. Erros do passado – Como aqui disse há uma semana, esta situação, sendo generalizada e não de casos isolados, não é boa para ninguém. Agora, com este Governo, houve um excesso de nomeações. Mas, no passado, há que reconhecer, houve menos mas também houve muitas. Houve de mais. Designadamente num Governo em que participei e em que fui directamente responsável. Olhando para trás, acho que foi um erro. Claro que se pode dizer que era então uma prática habitual. É verdade. Era assim nos Gabinetes do Governo como também no Parlamento Europeu. Mas não deixou de ser um erro. Ainda por cima à luz dos padrões de exigência dos dias de hoje, que são mais apertados que os de há 25 ou 30 anos. Por isso, não há que desvalorizar. Encontrar desculpas ou fazer de conta. Há que assumir o erro. Ponto final.

  1. Erros do presente – Posto isto, os erros do passado não servem para justificar os erros do presente. Nem sequer servem de atenuante. Primeiro, porque são ainda mais nomeações do que foram antes. Depois, porque a sociedade é hoje mais exigente do que era no passado. E o estranho é que, passadas estas semanas de polémica, os actuais governantes continuem a considerar que esta situação é normal. Não é. Já não era no passado, muito menos é agora, no presente. E o Governo devia reconhecer a necessidade de mudar de vida. Porque esta discussão só é útil se for para reconhecer erros cometidos e para os corrigir para o futuro.

 

  1. O futuroO problema pode resolver-se mudando as leis, como dizem o PR e o PM. Mas fazer leis desta sensibilidade em cima de eleições nunca é boa solução. Era muito mais eficaz resolver o problema através da auto-regulação. Cada Governo já aprova a sua organização (é a Lei Orgânica do Governo). Já aprova as regras do funcionamento do Conselho de Ministros (é o seu Regimento). Passaria a aprovar também o seu Código de Conduta. Exemplificando:
  • Nomeação de Membros do Governo – Aqui não deve haver orientações. São cargos de nomeação política. O PM escolhe, o PR nomeia e a opinião pública avalia. Se há ou não familiares entre os Ministros é uma decisão do PM e a sociedade faz o seu julgamento político.
  • Nomeação de Membros dos GabinetesAí o Código de Conduta fixa orientações no início de cada Governo. E pode determinar: não haverá familiares de governantes nos gabinetes. Ou não haverá familiares de governantes e de deputados. Ou ter orientação diferente. E pode haver maia tarde um Governo que pense de modo diferente e mude.
  • Tudo será público, transparente, flexível e escrutinável.

 

TRANSPARÊNCIA E CONFLITOS DE INTERESSE

 

  1. Nas relações familiares nos governos, na questão dos advogados/deputados, como na gestão da regulamentação do lobby (três questões dos últimos dias), uma das questões centrais é a da necessidade de evitar conflitos de interesses. A esse respeito, diria o seguinte:
  • O que que a AR aprovou (ainda em versão preliminar) é um avanço em matéria de declarações de rendimentos dos políticos (um universo maior a abranger e regras mais apertadas).
  • Mas noutras matérias, a AR devia fazer ainda um esforço para melhorar. No caso do lobby, porque o que foi aprovado não é ainda suficiente para assegurar transparência e rejeitar conflitos de interesses. No caso dos advogados e das respectivas sociedades, porque se corre o risco, justo ou injusto, de parecer "gato escondido com rabo de fora". E isso é mau para os advogados, para os deputados e para a democracia.

 

  1. Mas, sobretudo, a minha crítica essencial é outra. O que foi aprovado é mais do mesmo. Eu penso que é preciso pensar "fora da caixa" e avançar com outras ideias. Deixo aqui duas ideias novas:
  2. Primeira: devia existir na AR uma Comissão de Ética e Transparência, capaz de definir códigos de conduta, aprovar sanções a quem violasse regras e, sobretudo, não ser constituída por deputados em funções, para evitar a suspeita de que os Deputados estão a decidir e julgar em causa própria.
  • A questão essencial é mesmo a composição desta Comissão. Se forem os deputados a julgarem-se a si próprios, haverá sempre uma suspeita de "favorecimento". Tinha de haver a coragem para ser uma Comissão realmente independente, constituída, por exemplo, por ex-Presidentes ou ex-Vice-Presidentes da AR, ex-Provedores de Justiça ou ex-PGR. É uma ideia parecida com uma outra, positiva, avançada pela Comissão de Integridade e Transparência.
  1. Segunda: os membros dos Governos, antes de assumirem funções, deveriam passar previamente pelo crivo de uma audição parlamentar, para serem escrutinados sobre se, no seu passado, há factos geradores de impedimentos ou potenciais conflitos de interesses no exercício de funções oficiais.
  • Os recentes casos do ex-Ministro Manuel Pinho e do actual Ministro Siza Vieira – casos diferentes entre si mas que geraram grande polémica – aí estão a mostrar a necessidade de uma iniciativa deste género. Ninguém sai diminuído deste escrutínio. Pelo contrário, teríamos governantes reforçados na sua legitimidade.

 

JUÍZES GANHAM MAIS QUE PM?

 

  1. Há muitos anos que vigora em Portugal uma regra – ninguém na Administração Pública pode ganhar mais que o PM, por este ser justamente o topo da Administração Pública. Agora, o PS, com o aval do Governo, quer mudar a lei e furar este "tecto" em favor dos juízes. Será correcto abrir esta excepção?
  2. Primeiro: há que dizer que os juízes têm razão. Estão a pedir o cumprimento de um acordo que fizeram há anos com um outro Governo. Já ganharam em primeira instância uma acção em Tribunal contra o Estado. E o problema é sério para o acesso ao STJ, para onde muitos desembargadores não quererão ascender para não perderem dinheiro.
  3. Segundo: o que não me parece é que a solução deva ser esta. Faz algum sentido que os juízes ganhem mais que o PM? E a seguir eventualmente os professores universitários? E depois os diplomatas? E faz algum sentido que o PM ganhe menos que um Director da Caixa ou do BP? A meu ver, não faz sentido. Pelo grau de responsabilidade do PM e porque é o topo da Administração Pública.

 

  1. Apesar de não ser muito popular, a solução correcta é actualizar o salário do PM. Não é passar do 8 para o 80. Não é passar a ter um salário milionário. Mas é fazer uma actualização moderada, compatível com a responsabilidade da função e com a exigência de competência. Até por uma outra razão: como diz o povo, "o barato sai caro". Uma democracia tem custos. E uma democracia "baratinha" faz com que os melhores não aceitem ser governantes e os que o são estejam envoltos numa constante manta de suspeições.

 

REEMBOLSO DO IRS

 

  1. Dentro de dias o Estado vai começar a fazer os reembolsos do IRS relativos ao ano anterior. A grande maioria dos contribuintes vai receber um reembolso superior ao habitual. E vai ficar muito feliz. E provavelmente vai ficar muito agradecida ao Estado.

 

  1. A verdade, porém, é que tudo devia ser ao contrário – o Estado é que devia agradecer ao contribuinte por lhe ter ficado durante um ano com mais dinheiro do que devia, por fazer um reembolso tão tarde e ainda por cima sem pagar juros. E tudo porquê?
  2. Porque este reembolso maior que o habitual é resultante apenas de um truque – em 2018 o Estado fez uma retenção na fonte maior do que devia fazer e agora, consequentemente, paga mais do que é habitual;
  3. Ou seja: isto é apenas um acerto de contas. O Estado andou durante um ano a financiar-se à custa do contribuinte, ficou-lhe com dinheiro a mais, agora devolve-o com atraso e sem sequer pagar qualquer juro.

 

  1. É, na prática, um truque eleitoral. Para as pessoas terem a sensação de que têm mais dinheiro no bolso. Um truque parecido com o que fez o Governo de Passos Coelho com a sobretaxa de IRS – criando a expectativa de que as pessoas recebiam depois das eleições algum valor da sobretaxa e depois, afinal, não receberam nada.

 

A POLÉMICA DO RELATÓRIO DA OCDE

 

  1. Álvaro Santos Pereira, ex-Ministro de Passos Coelho e actual Director da OCDE, veio ao Parlamento falar do recente Relatório da Organização sobre Portugal e fazer acusações sérias ao Governo, em particular a Mário Centeno.

 

  1. Neste episódio, entendo que Álvaro Santos Pereira e Mário Centeno estiveram mal.
  2. Esteve mal o ex-Ministro. Não por ter vindo à AR nem por ter contado a verdade dos factos. Esteve mal por três razões: primeiro, porque veio fazer um autêntico comício contra o Governo; segundo, porque a sua atitude parecia revanchista, de confronto e ajuste de contas com o actual Governo; terceiro, porque a sua postura era mais a de um ex-Ministro de Passos Coelho e menos a de um Director da OCDE, o qual deve estar acima das questões de política interna. Pergunto: se ele estivesse a falar em Espanha, nas Cortes Espanholas, envolver-se-ia assim na política interna de Espanha?
  3. Esteve mal Mário Centeno. Porque, a ser verdade o que disse Álvaro Santos Pereira, o actual Ministro das Finanças nunca deveria ter exercido pressão para que o Director da OCDE não estivesse presente na cerimónia de apresentação do referido Relatório. Quer o Governo goste ou não, Santos Pereira é Director da Organização e como tal deve ser tratado.

 

É caso para dizer: num caso e noutro não havia necessidade.

 

BREXIT

 

  1. Primeiro apontamentoPorquê este frenesi todo, do Reino Unido e da UE? Porque ninguém quer uma saída sem acordo. Porque todos sabem que uma saída sem acordo pode ser uma tragédia para o RU, com danos sérios para a economia europeia.
  2. Vejamos as previsões do Banco de Inglaterra para uma saída sem acordo:
  • O PIB do RU contrai 8% num ano;
  • A Libra desvaloriza 25%;
  • O Desemprego sobe 7,5%;
  • Os Preços das casas caem a pique;
  • O RU sofre a maior crise económica do pós-Guerra.
  1. Isto seria uma catástrofe para o RU. Mau para a Europa. E muito mau para Portugal (há cerca de 400 mil portugueses no RU). Por isso, todos vão tentar uma solução de acordo até à 25ª hora.

 

  1. Segundo apontamento – Este diferendo tem sido um desastre para o RU e para a sua imagem no mundo. Mas, para a UE, apesar de tudo, tem dois efeitos positivos:
  • Por um lado, nunca a UE esteve tão unida como neste caso. Dividida em quase todos os dossiers, teve na questão do Brexit um momento de coesão invulgar. Apesar das tentativas de divisão vindas do RU.
  • Por outro lado, o Brexit vai ter um efeito vacina. Depois desta confusão, nenhum outro país vai aventurar-se a querer sair da UE. O Brexit serve de vacina para o futuro.
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