Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre Marine Le Pen, a economia a crescer, o Orçamento para 2019, as rentrées dos partidos e o partido de Santana Lopes.
MARINE LE PEN – SIM OU NÃO?
Acho que o Governo andou bem ao não se imiscuir no assunto. Acho que o líder da Web Summit andou mal sempre – no princípio, no meio e no fim.
- Andou mal no princípio ao convidar Marine Le Pen. Não é apenas por ser um produto tóxico, pelas suas ideias racistas e xenófobas. É, sobretudo, porque não se percebe qual era a mais-valia da sua presença. Da Sra. Le Pen não se conhece nenhuma especial relação com a tecnologia que a habilite à sua participação num evento tecnológico como este.
- Andou mal no meio da polémica ao dizer que só desconvidaria a Sra. Le Pen se o Governo assim o entendesse. Foi pior a emenda que o soneto. Ou agiu com cobardia ou fez uma confusão de papeis. É que o Governo não é o organizador do certame. Patrocina mas não organiza. Patrocina mas não faz convites.
- Andou mal no final ao dar o dito pelo não dito, acabando por ser ele próprio a desconvidar a Sra. Le Pen.
- Primeiro, porque fica a sensação de que quis agradar ao patrocinador do evento.
- Depois, porque fica a certeza de que cedeu perante as pressões públicas que lhe foram feitas.
- Finalmente, porque nunca mais é completamente livre para convidar quem quer que seja. A partir de agora, fica a ideia que fará uma lista prévia de convites, submetê-la-á ao patrocinador e só depois formalizará os convites.
ECONOMIA A CRESCER
- O INE divulgou esta semana os dados do crescimento do PIB no segundo trimestre de 2018 – um crescimento de 2,3%, se compararmos com o mesmo período do ano anterior. Este resultado tem um lado bom e um lado mau.
- O lado bom:
- O resultado do segundo trimestre é ligeiramente melhor que o do primeiro trimestre;
- Estamos há 19 trimestres consecutivos a crescer;
- Estamos a crescer ligeiramente acima da média europeia (2,2%).
- O lado mau é visível na comparação com a Europa:
- Só há 6 países que crescem menos do que nós (e aqui estão sobretudo os maiores e os mais desenvolvidos);
- Ao invés, há 13 países que crescem mais do que Portugal, sendo que neste segmento estão aqueles que são os nossos competidores directos (sobretudo os países do leste europeu).
- O que significa que, se não invertermos esta tendência, estamos condenados a perder posições no ranking europeu e a ficar ainda mais na cauda da Europa.
DEIXAR A FUNÇÃO PÚBLICA AOS 70 ANOS?
- Há muitos anos que a lei estabelece que qualquer funcionário público tem de obrigatoriamente abandonar a função pública aos 70 anos de idade. Ao que parece, o Governo tenciona acabar com este limite de idade.
- Há vantagens e desvantagens nesta solução. A maior desvantagem está no facto de esta medida poder impedir a renovação e, sobretudo, o rejuvenescimento da Administração Pública.
- Em qualquer forma, julgo que as vantagens são bem maiores que as desvantagens:
- Primeiro, é mais uma tentativa de equiparar o regime do sector público ao do sector privado, onde este limite de idade não existe;
- Depois, é uma medida que acompanha o aumento da esperança de vida. Actualmente, os portugueses vivem muitos mais anos do que viviam quando o limite dos 70 anos foi estabelecido.
- E, finalmente e mais importante, há muitos bons profissionais que aos 70 anos estão em excelentes condições para continuarem a dar o seu contributo à função pública e é um certo desperdício "deitar fora" esse capital de experiência e "empurrar" essas pessoas muitas vezes para o sector privado. É o que sucede muito com médicos e com académicos. O país não pode dar-se ao luxo de desperdiçar esse capital de conhecimento adquirido.
QUE ORÇAMENTO PARA 2019?
- Apesar de ainda estarmos longe da ultimação da proposta de Orçamento, podemos já adiantar algumas prioridades do OE para 2019:
a) Primeira prioridade: a actualização das pensões de reforma.
- As pensões até 857 euros (2 indexantes sociais) terão, por força da lei, um aumento real de 0,5%, beneficiando cerca de 2/3 dos reformados;
- No caso das pensões até 500€, isto representará um aumento de cerca de 10€.
- Quanto às demais pensões, haverá também uma actualização, por decisão política, em valor ainda não determinado (depende das negociações com os parceiros).
b) Segunda prioridade: desagravamento fiscal em sede de IRS. Esta será outra novidade do próximo Orçamento. Vai haver um alívio fiscal no IRS. A decisão política está tomada. O Governo está a estudar agora o modo, os termos e as condições desse alívio fiscal.
c) Terceira prioridade: mudanças no sector da energia.
- O IVA da electricidade vai baixar. Será uma nova reversão. Só falta saber se baixará da taxa de 23% para 13% ou para 6%.
- No domínio das rendas da energia, a proposta do BE que foi chumbada em 2017 voltará agora, em moldes diferentes.
d) Quarta prioridade: reforço das verbas para os serviços públicos e para o investimento público. Os sectores mais beneficiados serão, designadamente, a Saúde, a Cultura e a Ciência.
e) Quinta prioridade: o reforço de dotações para a função pública, em duas perspectivas: eventual actualização de salários; e decisão de novas contratações, tudo ainda dependendo do acordo com os parceiros.
- Tudo isto significa que:
- Ao contrário do que foi dito ou insinuado, há e haverá negociações entre o Governo e os seus parceiros.
- No final, será um Orçamento eleitoralista, aprovado pelo PCP e BE e contemplando um défice próximo de zero.
PROFESSORES LEVAM AO CHUMBO DO ORÇAMENTO?
- Segundo o Expresso, os Sindicatos dos Professores querem que, não havendo acordo com os professores, o PCP e o BE chumbem o Orçamento.
A minha convicção – para não dizer a minha certeza – é de que isso não vai suceder.
- Mesmo que não haja acordo com os professores, não haverá chumbo do Orçamento.
- Primeiro, porque PCP e BE separam as questões e não arriscam uma crise política, mesmo que a causa seja nobre. Fariam o jogo do PS.
- Depois, porque, sejamos francos, se não houver acordo com os professores, quem mais beneficia eleitoralmente com isso é o PCP e o BE. E quem mais perde é o PS.
- A questão dos professores é mesmo um enorme "berbicacho" para o Governo. Provavelmente o seu maior problema até ao fim do mandato.
- Sem acordo, o Governo tem dois problemas sérios: tem instabilidade nas aulas (os professores estão unidos); e perde uma boa quantidade de votos (o que impedirá o PS de alcançar a maioria absoluta).
- Com acordo, o Governo vai desagradar à grande opinião pública (que é contra a pretensão dos professores); e vai criar um precedente para outros grupos profissionais (militares, forças de segurança e outros) que reclamarão cedências semelhantes.
- Finalmente, num governo bicéfalo este diferendo já está a suscitar uma certa oposição entre António Costa e Mário Centeno. O PM quer fazer acordo. O MF nem tanto.
AS RENTRÉES DOS PARTIDOS
- As rentrées do PCP e do BE não têm novidades de maior. Os seus discursos terão duas dircções:
- Por um lado, simularão um distanciamento em relação ao Governo. Mas é um distanciamento retórico e sem consequências.
- Por outro lado, serão marcados pela formulação de um caderno reivindicativo para o OE (pensões, função pública, serviços públicos).
- A única novidade tem a ver com o BE – não só ao contrário, está muito fragilizado com o episódio Robles como cada vez está mais distante de ir para o Governo com o PS.
- A rentrée do PS terá um guião muito previsível. Assim:
- O PS será apresentado como o grande referencial de estabilidade e como o partido que consegue dialogar com todos. Objectivo: conquistar votos à esquerda e ao centro.
- O PS será reafirmado como paladino do progresso económico e social. O crescimento e o emprego serão os grandes trunfos.
- O PSD tem a rentrée mais difícil de todas.
- Primeiro, porque está mal nas sondagens; segundo, porque o novo partido de Santana Lopes é um engulho sério; terceiro, porque está muito dividido.
- Rui Rio tem aqui talvez a última grande oportunidade de mobilizar o partido e marcar a agenda política.
- Tem, por isso mesmo, de fazer um discurso diferente. Eu, se estivesse no lugar dele, selecionaria quatro áreas prioritárias (Economia, Demografia, Política Fiscal e Saúde), fazia um diagnóstico crítico da situação e apresentava, preto no branco, as políticas alternativas.
- A rentrée do CDS, no distrito do Porto, vai ter uma linha de continuidade e uma curiosa inovação: a inovação é que vai ser dedicada às famílias e focada nas políticas relativas à demografia e à natalidade. A linha de continuidade é que o CDS se reafirmará como a grande oposição ao Governo, com um propósito de realizar o seu melhor resultado de sempre.
O PARTIDO DE SANTANA LOPES
- Primeiro apontamento – O nome, Aliança, é um nome sugestivo e politicamente apelativo. Boa escolha.
- Segundo apontamento – Já quanto aos princípios e ideias orientadoras, é tudo mais do mesmo. Não tem novidade!
- Terceiro apontamento – Politicamente, em termos de reacções, temos coisas curiosas:
- O PSD e o CDS com um nervoso miudinho. Não o dizem mas estão preocupados com a divisão no espaço do centro-direita;
- O PS, embora não o diga em público, está feliz e satisfeito. Esfrega as mãos de contente! Eu diria mesmo que nunca o PS esteve tão em sintonia com Santana Lopes como agora. No fundo, o PS acalenta a esperança que o novo partido sirva para desgastar a fragilizar ainda mais o PSD.