Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre os "casos" que marcaram a primeira semana de Rui Rio à frente do PSD. Bem como da "turbulência" na saúde.
TURBULÊNCIA NA SAÚDE
- O que justifica tanta turbulência?
a) Primeiro: contestação na saúde
- Os médicos protestam porque não há os concursos prometidos;
- Os enfermeiros contestam porque há défice de enfermeiros e, com a redução das 40 para as 35 horas, a situação vai agravar-se;
- A dívida a fornecedores tem-se agravado;
- A dívida do medicamento estará já em níveis de 2011;
- As listas de espera aumentam.
Em conclusão: acabou o estado de graça do Ministro da Saúde.
b) Segundo: não há reformas no sector da Saúde. Aqui, na Saúde, como em qualquer outro sector do Governo, nada se reforma. Gere-se apenas o dia a dia. E isto tem consequências: com falta de reformas ou medidas de fundo, os problemas disfarçam-se durante algum tempo mas não se disfarçam o tempo todo. Acabou o disfarce.
c) Terceiro: regressou a intriga política. A par dos problemas do sector, esta turbulência é também agravada pela especulação ou intriga política, sobretudo na área do PS:
- O Ministro sai ou não sai? É ou não é remodelado?
- O sucessor é Manuel Pizarro ou Francisco Ramos?
- Tenho para mim duas coisas: nem o Ministro vai sair nem a sua saída resolveria qualquer problema. O problema não está no Ministro mas na falta de reformas e de dinheiro. A falta de reformas é um problema da geringonça e a falta de dinheiro é a ditadura das Finanças.
- No entretanto, a oposição do PSD e do CDS continua distraída.
- Já deviam ter requerido uma interpelação ou um debate de urgência. Afinal, nada.
- O Governo está a arder na Saúde e o PSD em guerras internas – lindo retrato!
PREVENIR OS INCÊNDIOS
Várias vezes critiquei o Governo pela sua actuação nos incêndios. Desta vez, passa-se o contrário. O Governo e em particular o MAI merecem ser elogiados.
- Primeiro: toda a gente costuma dizer que os incêndios se combatem no Inverno, através da prevenção. É bem verdade. Mas é a primeira vez que se vê um governo, no Inverno, activo e empenhado em fazer prevenção.
- Segundo: já há legislação há vários anos, pelo menos desde 2006, a obrigar à limpeza de ervas, arbustos e árvores em volta das casas e dos aglomerados populacionais. Mas é a primeira vez que se vê uma actuação activa e empenhada para levar estas leis mesmo a sério.
- Terceiro: toda a gente costuma dar palpites sobre como prevenir os incêndios. Todos somos treinadores de bancada. Mas este é o primeiro ano em que se vê empenhamento dos particulares, das autarquias, das forças de segurança, das televisões, dos escuteiros, até da Igreja – seja nas campanhas de informação e sensibilização, seja na limpeza dos arvoredos.
- Quarto: pode haver muitas razões de queixa das leis em vigor (porque o tempo de intervenção é curto, porque as exigências são excessivas, etc.), mas há duas ou três coisas que não podemos esquecer:
- É urgente fazer limpeza de matas e em redor das casas porque não se pode repetir o pesadelo do ano passado.
- No ano passado as críticas eram de que não se fazia nada para prevenir e agora, que finalmente se faz alguma coisa, faz sentido continuar a criticar?
- Ninguém pode ficar de braços cruzados. Até 15 de Março há que limpar até 50 metros ou 100 metros (consoante os casos). Depois entram em acção as autarquias. É fundamental que 2018 seja mesmo um ano de viragem.
A PRIMEIRA SEMANA DE RIO
- A primeira semana de Rui Rio teve um objectivo claro – demarcar-se de Passos Coelho. Afirmar Rui Rio como uma espécie de anti-Passos. Mostrar que houve uma mudança de ciclo.
a) Passos não dialogava com Costa. Rio manifestou-se logo aberto ao diálogo.
b) Passos tinha uma política de justiça. Elina Fraga foi a forma de mostrar que Rio tinha uma política de justiça diferente da de Passos.
c) Passos nunca afrontaria os deputados. Rui Rio diz que está habituado e que até gosta de confrontos.
- Percebe-se a ideia desta estratégia anti-Passos. Mas tem problemas:
a) Primeiro: o PSD anda há 5 meses sem fazer oposição. Desaparecido em combate. Sendo assim, o primeiro acto do novo líder do PSD é negociar com o Governo em vez de tomar uma iniciativa de oposição? Um pouco surreal.
b) Segundo: Rui Rio vai negociar dois acordos com António Costa. Faz bem. É do interesse nacional. Mas vai negociar apenas a agenda do Primeiro-Ministro. E a agenda do PSD, que é a de negociar acordos na segurança social e na justiça? Se Rio não impõe algo da sua agenda, corre o risco de parecer muleta do Governo.
c) Terceiro: Rui Rio dá gás a Elina Fraga e ao que ela simboliza. Está no seu direito. Mas paga um preço pesado – além de ter desgaste e contestação, ninguém percebe qual é a sua política de justiça. É a de Elina Fraga, contra o MP? É a de Fernando Negrão, que elogia o MP? É preciso pôr ordem na casa. Doutra forma o PSD fica a parecer um albergue espanhol!!!
d) Quarto: Rui Rio diz que até gosta de confrontos. Muito bem. Mas tem um problema: um partido com turbulência não sobe nas sondagens. E, se não sobe nas sondagens, não se afirma. E, se não se afirma, não ganha.
Em conclusão: Rio faz bem em afirmar um caminho diferente do passado. Mas conviria fazê-lo com base em causas e não em casos. Até ao momento só houve casos.
A ELEIÇÃO DE NEGRÃO
- Há muitos anos que o Grupo Parlamentar do PSD não dava uma imagem tão desgraçada. De quem é a responsabilidade? Dos deputados ou do líder do partido? Na minha opinião é dos dois lados.
a) Os deputados fizeram algo de inaceitável – uma guerra de guerrilha. Esquecendo uma verdade elementar: no nosso sistema partidário é impensável que o líder parlamentar não seja alguém da confiança do líder do partido.
b) Rui Rio, por seu lado, não fez nada para evitar o confronto e até o provocou.
- Foi eleito há mês e meio e ainda não foi falar ao Grupo Parlamentar. Um erro desnecessário.
- Como se isto não chegasse, fez uma provocação inaceitável ao não convocar o líder parlamentar cessante para a primeira Comissão Política Nacional. Isto não se faz. É mesquinho e é lançar gasolina para cima de uma fogueira.
- No meio de tudo isto, Fernando Negrão é mais vítima que réu. Eu, no lugar dele, não ficava. Mas ele decidiu ficar. Tem toda a legitimidade política e jurídica para exercer o cargo. O problema é que é uma legitimidade fraca.
Agora, atenção! O mais importante está para vir.
a) O grande teste de Fernando Negrão não foi esta quinta-feira (dia da eleição). É, sim, na próxima quarta-feira (dia do primeiro debate com o PM).
b) Ou seja: o seu maior desafio são os debates quinzenais com o Primeiro-Ministro. Ou se sai bem, e reforça-se; ou não se sai bem, e fica mais fragilizado.
c) Tem a vantagem que o PM não anda em grande forma parlamentar e certamente vai querer ser simpático neste primeiro confronto. Mas, sobretudo, Fernando Negrão tem de fazer o seu trabalho de casa: ser firme, assertivo e acutilante. Tem de fazer oposição ao Governo, que é o que falta.
OS ACORDOS GOVERNO/PSD
- Tudo indica que dentro de meses teremos dois acordos entre Governo e PSD. Muito bem. sempre defendi este tipo de entendimentos. E sempre os concretizei, quando tive responsabilidades políticas.
- Há, todavia, um reparo e uma proposta a fazer.
a) O reparo é este: deixemo-nos de retóricas e hipocrisias. As duas áreas escolhidas para negociar (fundos e descentralização) são pífias. São negociações de serviços mínimos.
- Não é que não sejam áreas importantes. Só que não há quase nada a negociar. As posições de ambas as partes são praticamente iguais.
- Importante era negociar entendimentos na Segurança Social, na Saúde, na Justiça. Aí, sim, é que a negociação era importante. Costa e Rio preferem o que é mais fácil, não o que é mais estruturante.
b) A proposta a fazer é esta: é preciso negociar também um Acordo sobre o Desenvolvimento do Interior do País – Coesão Territorial.
- O PR, com aplauso de todo o país, colocou na agenda política a questão do interior. António Costa visita o interior. Rio discursa sobre o interior. E, no momento da verdade, Costa e Rio esquecem-se de negociar um acordo sobre o interior??
- Ainda por cima, na mesma semana em que Silva Peneda, em nome do Movimento pelo Interior, veio falar aos parceiros sociais da necessidade de medidas radicais para 3 legislaturas!...
- PS e PSD não sabem o que fazer? Não estudaram o tema? Falem com Miguel Cadilhe, Jorge Coelho e Pedro Lourtie. Eles têm propostas sérias nas áreas fiscal, da educação e da organização do Estado.
- O PR, ao ver esta falha, deve ter vindo de São Tomé e Príncipe com os cabelos em pé.
A GUERRA NA SÍRIA, A EUROPA E A CHINA
5 apontamentos sobre política externa
- Primeiro: a guerra na Síria
- Este conflito, em que o regime da Síria tem o apoio russo e iraniano, já vai para 7 anos. Grande impotência da comunidade internacional;
- O horror do sofrimento do povo da cidade de Ghouta, e antes de Alepo e outras cidade, recorda as piores experiências do século passado, em especial na Bósnia;
- Ontem a Rússia, que se tem portado como um actor cínico, lá acertou aprovar na ONU uma resolução de cessar fogo, para efeitos humanitários. Mas a esperança é pouca. O mundo não pode fechar os olhos a esta brutal tragédia.
- Segundo: referendo no SPD alemão
- É daqui a 1 semana (dia 4 de Março) que se realiza o referendo no SPD alemão.
- A esta hora, daqui a 1 semana, já saberemos se há ou não há governo da Grande Coligação na Alemanha.
- Terceiro: eleições em Itália (dia 4 de Março)
- Também daqui a 1 semana temos eleições em Itália. Outro momento decisivo. Mais uma eleição na Europa, mais um susto!
- Neste momento, a incerteza é total. Destas eleições pode sair um impasse; uma confusão política; uma maioria antieuropeia; uma nova crise na Europa.
- Quarto: Brexit
- Atenção ao discurso de Theresa May, sexta-feira, 2 de Março. Vai apresentar a plano britânico para o Brexit.
- Há riscos para o governo. Os trabalhistas já dizem que o RU deve ficar na união aduaneira; e n os conservadores pode haver divisões. O romance veio para ficar.
- China
- O líder chinês quer fazer uma mudança na Constituição para se manter em funções para além dos 2 mandatos actualmente previstos.
- Segue o caminho de Putin, na Rússia, e Erdogan, na Turquia.
- Depois de um czar em Moscovo e de um sultão em Ancara, volta o imperador a Pequim. Geopoliticamente, parece que voltamos ao fim do século XIX.