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01 de Janeiro de 2020 às 21:15

O fim da hegemonia americana

Os contemporâneos de Nero, entretidos com as suas estratégias de poder, não tiveram consciência de que participavam no fim da civilização do Império Romano – mas deixaram às muitas gerações do longo período da Idade Média o trabalho de reflectirem sobre o que lhes tinha acontecido.

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A FRASE...

 

"Trump ficará sendo um dos mais relevantes Presidentes da História dos EUA. Ele já ganhou e para desfazer os seus efeitos na política daquele país nem uma geração bastará."

Rui Tavares, Público, 20 de Dezembro de 2019

 

A ANÁLISE...

 

Na década de 30 no século passado, quando se tinha saído de uma guerra mundial mas já se estava a abrir o caminho para uma outra guerra mundial, Paul Valéry referiu que as civilizações sabem agora que são mortais. No desenvolvimento da sua ideia, Valéry acrescentou o comentário de que a principal fraqueza da Europa era a incapacidade de constituir um corpo político dotado ao mesmo tempo de poderes fortes e legítimos.

 

Apesar de ameaçada, a civilização europeia evitou a sua morte com o auxílio dos Estados Unidos, que resolveram a guerra civil europeia em favor da vertente atlântica que interpreta a civilização europeia como a afirmação da liberdade individual, da democracia pluralista e da livre circulação de pessoas, de produtos e de capitais, rejeitando os colectivismos sustentados por burocracias e regimes de partido único. Essas foram as circunstâncias em que se formou a hegemonia americana, que estruturou uma ordem mundial favorecendo o pluralismo político, a liberdade de comércio e o reforço das relações de interdependência, criando espaços de cooperação com escala adequada para um longo período de crescimento sustentado.

 

É esta herança que Donald Trump está a destruir com a polarização radical da política americana entre populares e elites, com o apelo populista ao nacionalismo e ao racismo da supremacia branca, que rejeita as interdependências e que se defende da competição com barreiras protecionistas, com o apoio expresso aos programas e aos protagonistas políticos que fragmentam as instituições de regulação e de cooperação que os Estados Unidos promoveram e protegeram desde a década de 30 do século passado. O modo como está a acontecer este fim da hegemonia americana é uma ilustração adequada da mortalidade das civilizações. Os contemporâneos de Nero, entretidos com as suas estratégias de poder, não tiveram consciência de que participavam no fim da civilização do Império Romano – mas deixaram às muitas gerações do longo período da Idade Média o trabalho de reflectirem sobre o que lhes tinha acontecido.

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

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