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28 de Dezembro de 2020 às 09:20

A política na crise

Na crise de 2021, os anteriores constrangimentos já não estarão activos, mas a escala e a profundidade da contracção do campo de possibilidades já não serão compatíveis com o reversionismo, a descontinuidade impede a reposição.

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A FRASE...

"A estabilidade dura até ao momento em que um evento que não antecipámos desencadeia uma crise."

Pedro Adão e Silva, Expresso, 18 de Dezembro de 2020

 

A ANÁLISE...

A crise é o estado natural da política, no sentido de que as mudanças que ocorrem no campo da realidade efectiva das coisas alteram o campo de possibilidades e as relações que se estabelecem no campo dos interesses. E se a política for entendida como a articulação sustentada entre as possibilidades e os interesses, a estabilidade política não poderá ser concebida como a eterna repetição do mesmo. A estabilidade política só existe se houver o permanente ajustamento dos interesses às possibilidades. E se as possibilidades mudam (estão sempre a mudar), os interesses também terão de mudar (mas resistem sempre à mudança, mesmo quando se trata apenas de mudar o modo de realizar interesses que persistem na sua forma inicial apesar do que já mudou).

 

As crises políticas surgem quando todos têm de mudar (porque mudou o campo de possibilidades) mas há muitos que não querem mudar (nem se resignam a reconhecer que a realidade efectiva das coisas já não é o que costumava ser). E a crise é política, porque é a política que tem a função de articular as possibilidades com os interesses, configurando as expectativas e os comportamentos sociais em função do que é a alteração das circunstâncias.

 

Numa crise política provocada pelo desajustamento dos interesses às possibilidades, a resposta dos políticos reformistas consiste na reconfiguração dos interesses para os tornar compatíveis com as possibilidades realmente existentes, mas a resposta dos políticos reversionistas insiste na conservação dos interesses mesmo que tenham de impor a redefinição do que são as possibilidades e procurem ocultar quem teve responsabilidades na alteração das circunstâncias que reduziu o campo de possibilidades.

 

Na crise de 2011, a dependência dos credores e a subordinação às regras orçamentais da moeda única exigiram a opção reformista, mas que foi trocada pela opção reversionista logo que se saiu da vigilância da troika. Na crise de 2021, os anteriores constrangimentos já não estarão activos, mas a escala e a profundidade da contracção do campo de possibilidades já não serão compatíveis com o reversionismo, a descontinuidade impede a reposição.

 

Artigo está em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

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