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Luís Pais Antunes - Advogado lpa@plmj.pt 01 de Setembro de 2016 às 20:45

Um cocktail explosivo

Não há investidor que não pense dez vezes e faça contas outras vinte antes de arriscar um euro numa aventura que tem tudo para acabar mal…

Há pouco mais de um ano (estávamos em abril de 2015 a poucos meses das legislativas de outubro) discutia-se avidamente o futuro de Portugal em torno do então famoso "cenário macroeconómico" que ficou para a história sob o pomposo nome de "Uma década para Portugal". Entre muitas coisas que - sabemo-lo hoje bem melhor - pouco ou nada tinham a ver com a realidade, podia ler-se uma frase quase premonitória "O principal indicador do fracasso é o sentido desfavorável da evolução do peso da dívida pública no PIB pois mostra a vulnerabilidade crescente do país face aos seus credores".

 

Infelizmente, essa é a realidade com que nos voltamos a deparar. De acordo com os números mais recentes divulgados pelo Banco de Portugal, a dívida pública não para de crescer, sendo o aumento da dívida líquida de depósitos, só nos dois últimos meses, da ordem dos 5 mil milhões de euros. Para tristeza de muitos, o agravamento da dívida significa mais e novos impostos amanhã que a voragem tributária nunca se cansará de inventar.

 

Dirão os eternos otimistas que não podemos ver apenas o lado negro das coisas. Há sacrifícios que valem a pena, sobretudo quando o que está em causa é dar um "novo impulso ao crescimento em bases sólidas (investimento, exportações)" e criar "condições que promovam a facilitação do investimento privado e da internacionalização das empresas portuguesas". O problema é que, por muito que nos esforcemos, ninguém consegue vislumbrar a mais pequena sombra desse "novo impulso" ou dessas "bases sólidas". O investimento que estava a crescer 5% cai agora 3%. As exportações que subiam 7% sobem agora 1,5%. Até o consumo - que seria estimulado por uma generosa recuperação de rendimentos e redistribuição de benesses - consegue aumentar apenas metade do que crescia no final do segundo trimestre de 2015 (1,7% que compara com 3,3%).

 

Não faltará quem encontre justificações benignas para o rotundo falhanço das previsões, recorrendo ao vasto e variado catálogo a que normalmente se deita mão neste tipo de situações. Invariavelmente, a culpa começa por ser do governo anterior e da sua "pesada herança" carregada de políticas erradas. Esgotado o "stock" interno, entra em cena a conjuntura internacional. A União Europeia é o que se sabe, dominada que está por inefáveis neoliberais apostados em fazer a vida negra aos Estados-membros, sobretudo aos que têm más contas e fogem ao cumprimento das regras a que se comprometeram. Depois há sempre pelo menos uma crise que perturba a nossa paz. Quando então se junta a situação difícil que atravessam Angola e Brasil com a instabilidade gerada pelo Brexit nada mais resta para explicar. Pouco importa que aqui ao lado até haja um país que cresce e exporta mais, apesar de estar a atravessar há largos meses uma grave crise política e institucional. Isso são meros detalhes que não vêm ao caso…

 

Claro que há sempre fatores externos que nos condicionam e dificultam a nossa vida. Mas o principal problema não está aí: quando se pratica um discurso e se tomam medidas que minam a confiança dos investidores, sejam eles nacionais ou estrangeiros, não há economia que resista, nem crescimento que se veja. Reversões de negócios, instabilidade legislativa e fiscal, demonização dos privados e dos empresários e sinais de predomínio do papel do Estado são um cocktail explosivo. Não há investidor que não pense dez vezes e faça contas outras vinte antes de arriscar um euro numa aventura que tem tudo para acabar mal…

Advogado

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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