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Luís Pais Antunes - Advogado lpa@plmj.pt 07 de Agosto de 2016 às 17:11

Baralhar e dar de novo

A ADSE nasceu há mais de 50 anos, bem antes do SNS universal e tendencialmente gratuito. Começou por ser também gratuita, sendo hoje essencialmente financiada pelos seus beneficiários, funcionários públicos no ativo ou aposentados e familiares.

Para uns está muito bem; para outros devia ser alargada à generalidade da população; para outros ainda, extinta. Independentemente das razões de cada um, parece haver um consenso alargado quando à necessidade de uma reforma urgente.

 

Fui, provavelmente, um dos poucos leitores do Relatório Final da "Comissão de Reforma da ADSE" divulgado agora em agosto, embora datado de 28 de junho. Admito que o momento da divulgação não tenha sido o mais feliz e que a aparente dimensão do documento (588 páginas) tenha desencorajado alguns interessados. Digo "aparente" porque, na verdade, o relatório propriamente dito tem apenas cerca de 40 páginas. Grande parte do documento consiste num anexo de 500 páginas que inclui os 3.650 comentários apresentados no decurso da consulta pública sobre o relatório preliminar. Desses, a esmagadora maioria apresenta o mesmo texto, discordando das propostas da Comissão e pugnando pela transformação da ADSE num Instituto Público com participação na gestão de representantes dos beneficiários (leia-se dos sindicatos…).

 

Para quem já esteve envolvido em procedimentos de natureza semelhante, como é o meu caso, não é uma surpresa. Trata-se da habitual estratégia sindical de "amplificar" o impacto da respetiva participação na consulta, juntando milhares de respostas idênticas subscritas pelos seus filiados. Serve para dizer que mais de 90% das pessoas que se pronunciaram sobre uma dada proposta de lei ou de reforma são contra, mas não serve para esconder que os "pronunciamentos" representam muito pouco no universo dos destinatários (neste caso, cerca de 1.200.000)…

 

Seja como for, o tema é importante e merecia certamente um tratamento diferente e uma reflexão e discussão mais cuidadas. Não está em causa o trabalho desenvolvido pela Comissão nos poucos meses que os respetivos membros - que conheço e cuja competência me merece o maior respeito - tiveram para o fazer. Sem prejuízo de um ou outro ponto mais discutível, as conclusões parecem-me bem fundamentadas e globalmente acertadas. O que eu não consigo perceber mesmo é a gestão política de um tema que é demasiado sensível e urgente para ser tratado com ligeireza.

 

O programa do XXI Governo aprovado em dezembro de 2015 previa a "Mutualização progressiva da ADSE, abrindo a sua gestão a representantes legitimamente designados pelos seus beneficiários, pensionistas e familiares". No dia 1 de março entra em funções a Comissão a quem é cometida a tarefa de apresentar uma proposta de revisão do modelo institucional, estatutário e financeiro até ao final de junho. No início de agosto é divulgado o respetivo relatório, mas logo o Governo se apresta a esclarecer que "no procedimento legislativo … terá em conta os diferentes documentos produzidos" e que "em nenhum momento, serão apresentadas quaisquer medidas que tenham como objetivo a privatização total ou parcial da ADSE".

 

Ou seja: pretende-se mutualizar a ADSE, retirá-la do perímetro orçamental - dando cumprimento às recomendações do Tribunal de Contas -, envolver os beneficiários na respetiva administração e assegurar a autossustentabilidade financeira sem recurso a financiamento público, tudo isto sem qualquer medida que retire a ADSE da esfera pública. Importa-se de repetir?!

 

Advogado

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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