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Luís Pais Antunes - Advogado lpa@plmj.pt 16 de Dezembro de 2016 às 07:00

2016: O ano em que o mundo começou a mudar

É quase um lugar-comum dizer que 2016 não foi um ano como os outros, tal a sucessão de acontecimentos julgados tão inesperados quanto improváveis.

Da afirmação da geringonça à vitória de Portugal no Europeu de futebol, do Brexit ao triunfo de Donald Trump, os sucessivos meses do ano foram rivalizando entre si na estranheza, estupefação e incredulidade que em muitos de nós causaram.

Num mundo em que todas as surpresas são possíveis, não terão sido muitas as vezes em que a conjugação de fatores alegadamente improváveis terá conduzido a tantos resultados tão pouco esperados. Alguns dirão que foram apenas acasos; outros, que a "tempestade perfeita" já vinha dando sinais da sua aproximação; outros ainda recordarão, mais uma vez, que o fim do mundo tal como o conhecemos está cada vez mais próximo. Muitos não querem nem saber, limitando-se a esperar – e muitas vezes a contribuir para ele… – pelo próximo "grande choque".

Os eventos, por mais imprevisíveis que pareçam, têm quase sempre explicações relativamente fáceis, sobretudo depois de ocorrerem. Sobre cada um dos exemplos que acima referi (e vários outros poderia acrescentar à lista) foram já escritas milhares de páginas e não serei eu certamente quem irá desenvolver uma qualquer teoria revolucionária capaz de os explicar de forma inovadora, simples e pragmática…

Sem pretender desvalorizar os factos marcantes do ano que agora acaba, há um aspecto, contudo, que me vem suscitando alguma reflexão: a cada vez maior tendência para confundirmos a vontade das pessoas com aquilo que muitos ou apenas alguns de nós gostariam que fosse essa vontade. Se excluirmos a epopeia futebolística nacional por terras de França (o futebol rege-se mesmo por outras "leis"…), a quase totalidade dos eventos "improváveis" que marcaram o ano não é mais do que o resultado da vontade de um conjunto mais ou menos alargado de cidadãos que decidiram fazer determinadas escolhas.

Num mundo cada vez mais dominado pela metalinguagem e pela pós-verdade, tendemos a estranhar tudo o que não corresponda a uma determinada forma de ver a realidade e a privilegiar uma visão "oficial" e "politicamente correcta" dos factos em detrimento daquela que é a opinião ou o sentimento das pessoas relativamente àquilo que as rodeia. O inesperado das escolhas não resulta tanto assim do facto de essas mesmas escolhas serem improváveis, mas tão-só de não corresponderem ao que uma determinada visão das coisas entende ser o mais adequado aos interesses do colectivo.

Os exemplos do Brexit e da eleição de Donald Trump (bem como das sequelas para as quais nos devemos preparar…) tendem a demonstrar que a desconfiança crescente relativamente ao poder estabelecido e a importância das redes sociais como fonte de informação quebraram aquela espécie de "manual de como as coisas devem funcionar" que ao longo dos tempos permitia conhecer os resultados "antes do final do jogo".

Mas idêntico raciocínio se poderá aplicar também ao precipitado vaticínio do fim rápido da "geringonça". O manual dizia que os partidos da extrema-esquerda nunca se acomodariam ao exercício do poder em conjunto com partidos burgueses e que rapidamente sabotariam orçamentos e vetariam tudo o que viesse de Bruxelas, criando o caos. Nada menos verdadeiro como facilmente se tem percebido. Bastou para tal que esses partidos aceitassem trocar alguns incómodos por vantagens julgadas mais relevantes para a defesa dos respetivos interesses. 

Advogado
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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