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O erro de Darwin

Quem conduziu a Portugal Telecom (PT) à pobre condição de filial de uma empresa da segunda divisão brasileira? Que estratégia virtuosa de criação de valor justificou o abandono de mercados internacionais promissores?

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"A Natureza resolve, o sistema também."

 

(aforismo neoliberal)

 

1  Mal imaginava Darwin que as suas descobertas sobre a evolução das espécies haveria de sustentar as teses mais radicais sobre o funcionamento do capitalismo. Nem a persistência da crise económica, nem o esbulho da finança internacional, nem a deterioração das condições de vida, nada demove os neoliberais da sua crença incondicional nas capacidades regenerativas do capital e nos malefícios do Estado. Se os maus exemplos se multiplicam, se as suas consequências se revelam cada vez mais devastadoras, a culpa não é do sistema, mas simplesmente das avarias nos mecanismos de alerta. A estratégia, essa mantém-se - destruir o que é público, porque o privado é mais transparente, mais rigoroso e mais resiliente.

 

Para alguns, a intervenção do Estado deveria limitar-se à iluminação pública e à defesa nacional, já que o resto seria gerido de modo eficiente por agentes privados. A caridade dos ricos resolveria as situações de pobreza extrema. Nos Estados Unidos, a corrente libertária, porta-estandarte do darwinismo económico e social, advoga a extinção de todos os mecanismos de intervenção estatal, a abolição dos impostos e a liberalização total dos costumes. Não chegam a tanto os ideólogos neoliberais, sobretudo em matéria de costumes, mas a fé inabalável que depositam na "mão invisível" e na rédea solta dos agentes privados enquanto únicos promotores do desenvolvimento e bem-estar é fruto da mesma cepa teórica.

 

Assim se explica o incómodo com que abordam os escândalos da finança e do mundo empresarial e, por contraste, a forma como se comprazem com as deficiências no funcionamento das instituições públicas. Balbuciam umas explicações toscas para as obscenidades privadas, por regra acusando os reguladores (públicos) de negligência, omitindo o facto de terem patrocinado activamente a desregulação dos mercados. Ora, foi precisamente essa desregulação sem critério que esteve na origem da crise do sub-prime e do subsequente terramoto no mundo financeiro. Não por acaso, o Canadá, onde as regras de supervisão da banca e dos seus produtos nunca abrandaram, passou ao lado do turbilhão de Wall Street.

 

2  A gestão pública não é melhor nem pior do que a privada. Os bons e os maus exemplos repartem-se pelos dois domínios. Mas a ilusão de superioridade a que Carlos Albuquerque alude, na edição do Negócios da passada terça-feira, não provém da esfera pública, bem pelo contrário. Respaldados pela ideologia maioritária nas escolas de economia, os agentes privados julgam-se os únicos capazes de conduzir as funções produtivas de modo eficiente.

 

Sustentam que a relação entre propriedade e desempenho organizacional só é virtuosa e transparente no domínio privado, por natureza imune a ciclos políticos e pressões corporativas. As questões de natureza estratégica e da tradução do interesse geral em propriedade não lhes importam. Omitem os perigos de destruição de valor provocados por interesses accionistas conflituais, pela ganância individual e pela visão de curto prazo. Esquecem as relações de promiscuidade, essas sim opacas, entre o mundo privado e o poder político. Verdade se diga que, no caso português, as suas ideias venceram em toda a linha. Contam-se pelos dedos de uma só mão os sectores de actividade onde o Estado detém ainda alguma participação directa - a ideologia e os apertos de tesouraria fizeram o seu trabalho. Por isso, lanço desde já o desafio de se comparar a nossa liberal situação com a dos países em quem habitualmente nos inspiramos, os do Norte da Europa, para depois lhes explicarmos que fazem mal em não seguir o nosso exemplo.

 

3  Quem conduziu a Portugal Telecom (PT) à pobre condição de filial de uma empresa da segunda divisão brasileira? Que estratégia virtuosa de criação de valor justificou o abandono de mercados internacionais promissores? Que visão de longo prazo esteve por trás da sangria de meios libertos líquidos? Que exemplos de gestão nos oferece a PT pós-golden share?

 

Economista; Professor do ISEG/ULisboa 

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