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O meu amigo Chico

Ontem tive a visita de um amigo de longa data. Já não o via há muito. Continua na mesma. Tem uma imaginação delirante, um discurso em galope, saltando com elegância de um assunto para o outro num tal frenesim que nos deixa aturdidos.

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A sua visão do mundo é única. Não tanto de um extremo ceticismo, mas antes de quem aprecia do lado de fora as peripécias patéticas e trágicas do tempo em que estamos. Não seria capaz de reproduzir fielmente a conversa. Ficam frases soltas. Infelizmente, sem o charme do próprio.

 

Anarquista, dos poucos a sério, nunca trabalhou, vive bem com pouco dinheiro, é feliz. Diz mal de tudo, e também dos que dizem mal de tudo. Sobretudo dos invejosos, dos moralistas. Corrupção? Ética? Não temos de ter ética para com o sistema. Existe a lei e basta. O sistema não tem nenhuma ética quando trata connosco. Só brutalidade. Toda a gente devia pôr o seu dinheiro em offshores, para não pagar ao Estado. Não custa nada, aquilo é uma caixa postal que fica num prédio vazio numa ilha qualquer.

 

O sistema capitalista vai implodir mais dia, menos dia. Já dizia o velho (Karl Marx). Tal como as coisas estão, isto só se resolve com uma guerra. Os judeus já estão em fuga.

 

A esquerda também não presta. Os Podemos e os Cerejas (Syriza) são meninos de família. Querem ter a vida dos pais, trabalho, casa, carro, televisão. Não percebem que o trabalho acabou. Não há nem vai haver mais emprego. Só miséria. Mas não se pode dizer isto nas reuniões da esquerda. Quando se fala da propriedade privada ou do trabalho como alienação, mudam logo de conversa. Querem viver num mundo que já não existe. E não vai existir mais. Acabou.

 

Os meninos vestem-se de velhos para arranjar um emprego temporário; os velhos vestem-se de meninos a ver se ainda engatam alguma coisa.

 

O povo diverte-se imenso com os banqueiros caídos em desgraça. Gosta de os ver espernear no parlamento. Mas são eles que mandam nisto tudo e vão continuar a mandar. Para o povo sobra o espetáculo na televisão. Não vai mudar nada. Amanhã vão a correr depositar o dinheiro nos mesmos bancos. Confiar nos mesmos banqueiros. E comprar ações.

 

A reputação é o papel (dinheiro). Os maiores bandidos de hoje fazem a barba todos os dias, põem gravata. Mas só enganam os tolos. Os que gostavam de ser como eles.

 

A classe média queixa-se, mas queixa-se de quê? Andou anos a pedir dinheiro emprestado para comprar uma televisão grande para ver futebol, carro e pagar prestações da casa. O que esperavam? Nunca tiveram vida. A classe média é o pior. São os que querem parecer ricos, sendo pobres. E incultos. Não leem livros.

 

Os artistas estão todos instalados. E os que ainda não estão, fazem tudo para isso. Não se passa nada na cultura.

 

É por isso que o chamuça (António Costa) vai ganhar. A malta vai toda votar nele. Porque o resto não conta. Os tipos do Bloco se conseguirem um ou dois deputados estão com sorte. Até aquele rapaz intelectual sem jeito nenhum (Rui Tavares) lhes tira votos. E o filho do Herberto Helder (Daniel Oliveira) também. Ninguém acredita nos amanhãs que cantam. Só no papel. Anda tudo ao papel e ninguém vive.

 

O Chico tem uma maneira de pensar, criativa, definitivamente fora da caixa como agora se diz. Em determinado momento pergunta-me como está um amigo comum de que não se lembra o nome. Descreve-o assim: aquele, o que tinha um pai contrabandista, que vendia garrafas de whisky nas agências de publicidade. Faz lembrar o Raymond Chandler.

 

Se o Chico um dia escrever um livro vai ser um best-seller. Pela simples razão de que não há quem pense radical. Aliás, hoje só a direita é realmente radical. Mas sem piada. Chico vem na linha que vai de Bocage a Luiz Pacheco. Deve tanto à raiva quanto à literatura. Não precisa de palavrões, nem desce a essa alarvidade que por estes dias inunda as redes sociais e os comentários. Nem tem ódios de estimação. Só estilo.

 

Chico confirma essa máxima que afirma que uma pessoa inteligente consegue fingir que é um idiota, já um idiota não consegue fingir que é inteligente. E ele é mesmo uma inteligência cada vez mais rara. Espero que me visite mais vezes. É preciso arejar este ar poluído por tanta gente séria que só pensa trivial.

 

Artista Plástico

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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