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Orgulho e preconceito

Para a maioria de nós as alterações climáticas de que tanto ouvimos falar e que de alguma forma intuímos como fonte de catástrofes futuras implicam, na prática, um grau de envolvimento e acção parecido com o que os adolescentes têm com a constituição de um plano poupança reforma.

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Sim, "isso" talvez ainda me bata à porta mas, para já, tenho de pagar a hipoteca pensa o cidadão, para já, tenho produzir mais barato, sabe o empresário e, mais urgente, para já tenho de ganhar eleições julga o político. 

 

Talvez se pudesse dizer que é mesmo o tema onde a urgência mais vence a importância não fosse o caso de, só por distracção, não repararmos que é o tema onde a importância assumirá contornos sempre piores se não percebermos a urgência.

 

A maioria das pessoas percebe que o assunto é sério, mas por ser uma guerra sem inimigos identificáveis resiste à mudança daquilo que associa a conforto e isso descansa os políticos que sempre vão adiando compromissos e respostas.

 

Tanto mais que a mudança de paradigma é tão grande que precisa não se compadecer de Estados pioneiros que são presa fáceis dos cépticos e dos reaccionários. A mudança para uma economia de baixo carbono implica uma tarefa política gigantesca, mas inadiável: mudança em conjunto, num sector de importância geoestratégica - a produção e gestão da energia - capturado por interesses marcadamente nacionais.  

 

Se a mudança não for partilhada vai ser fácil e porventura verdadeiro, só para dar um exemplo, o susto que o presidente da Galp quer atribuir ao ministro do Ambiente sobre aumento dos combustíveis por via da fiscalidade verde.   

 

Às condicionantes referidas à economia do carbono acrescem as dificuldades suplementares da regulação da actividade económica num contexto de União Europeia. A apregoada vitória das hostes portuguesas no Conselho Europeu da semana passada é bom exemplo destas dificuldades de regulação. Utilizando uma metáfora simples, o primeiro-ministro defendeu a necessidade de aumentar as interconexões da rede eléctrica entre Espanha e França, mitigando a dimensão da Península Ibérica como ilha energética. Tal permitiria ao mercado português de energia beneficiar da energia nuclear francesa, mais barata, e exportar energia de fonte renovável, mais cara se a procura aumentar por força da maior exigência das metas comunitárias para esta fonte de energia. 

 

A anunciada vitória lusa não só não foi vertida para linguagem vinculativa nas conclusões do Conselho Europeu como ficará a aguardar a boa vontade do Governo francês, sempre propenso a manter uma reserva de energia barata para as famílias e empresas. Teria sido bem mais eficaz apostar em metas vinculativas e ambiciosas ao nível comunitário para as energias renováveis. 

 

Seria bem mais fácil, mais rápido e mais lucrativo para as empresas portuguesas do sector da energia exportar para o mercado alemão certificados verdes com origem em Portugal do que ficar a aguardar pela construção de novas interconexões eléctricas entre Espanha e França. Mas tal implicaria continuar (repito: continuar) a apostar em Portugal no sector das energias renováveis. 

 

Em matéria de política para as energias renováveis temos assistido nos últimos anos ao triunfo do "não": não sabemos, não queremos, não fazemos. Independentemente da necessidade de estabilidade e de coerência dos regimes jurídicos, necessidade constantemente invocada pelos agentes económicos, há também uma necessidade política para a existência de uma política para as energias renováveis. Esta política tem sido um caso de sucesso, talvez o único que se pode apontar à política portuguesa de combate às alterações climáticas.

 

Em Março do próximo ano, durante a Cimeira da Primavera, o primeiro-ministro irá sentar-se à mesa do Conselho Europeu para discutir os indicadores europeus em matéria de desenvolvimento económico e social. E o indicador em matéria de energias renováveis será um dos dois indicadores com sinal positivo na economia portuguesa. Valerá a pena abandonar uma boa política por mero preconceito ideológico?

 

Advogado

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