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05 de Junho de 2013 às 00:01

Síria

Estados Unidos e Rússia querem sentar toda a gente à roda de uma mesa em Genebra. Os russos terão convencido Bashar a ir; a oposição, apoiada por EU, USA e Liga Árabe, está, até agora, dividida. A ver. Ou isso ou coisa parecida seria, com sorte, o começo do menos mau dos caminhos para o fim da matança.

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Uma broncalina do camandro, diria o meu amigo António Garcia. Espanta haver quem pensasse que poderia não o ter sido. Incitámos a Síria à abertura democrática e deixámo-la entregue a ajudas russa e iraniana (armas e veto no Conselho de Segurança da ONU, milícia libanesa do Hezbollah, oferecidas a Bashar al Assad, oftalmologista que por dever e tradição retomou a prática paterna da carnificina) e à devoção de voluntários: "mártires" com virgens prometidas se forem desta para melhor (não só árabes: da Bélgica, onde escrevo, já para lá partiram quase 100). Moscovo, Teerão e jihadistas sabem o que querem; União Europeia e norte-americanos não sabem ao certo o que mais lhes conviria nem como lá chegar. Os europeus levantaram o embargo à exportação de armas, disparate que não garantirá a vitória da oposição nem facilitará negociações de acordo político. Obama inventa "linhas vermelhas", para depois não perceber se Bashar as passou ou não. 


A Síria é complicada. Presença antiga – houve três imperadores romanos sírios –, mas inventada na sua configuração actual a seguir ao colapso do Império Otomano, protectorado francês no rescaldo da Primeira Guerra Mundial, independente em 1946, nela se confrontam fés e povos – sunitas, shiitas, alauitas, cristãos vários, curdos – pegadas umas com as outras quando as deixem, contidas sem violência se houver poder que a tal as obrigue; o domínio otomano é paraíso perdido comparado com tudo quanto veio a seguir. Assad, da minoria alauita, herdou a mão de ferro do pai, militar laico que agarrou o poder em 1971 depois de mais um golpe de estado e morreu, "fidèle au poste", em 2000. A Primavera Árabe animou oposicionistas, de sociais-democratas a fundamentalistas islâmicos, que não se entendem uns com os outros; o regime recusa largar o poder para, afirma, proteger o país de extremistas. Como em todas as guerras civis, a barbaridade reina. O regime é acusado de usar armas químicas; comandante oposicionista foi filmado a comer o coração de inimigo que acabara de matar.

Damasco é a cidade habitada mais antiga do mundo com experiência de grandes civilizações, mas a paz é invenção recente que ainda não medra por lá (tal como igualdade de direitos de homens e mulheres, democracia, decência cívica entre governantes e governados). Arábia Saudita e Qatar dão milhões de dólares aos insurrectos sunitas tentando evitar que poder novo que se instale seja pro-iraniano. Israel que vive "sem paz nem guerra" com a Síria desde a anexação dos Montes Golan, em 1967, avisou que não tolerará novos mísseis russos.

Estados Unidos e Rússia querem sentar toda a gente à roda de uma mesa em Genebra. Os russos terão convencido Bashar a ir; a oposição, apoiada por EU, USA e Liga Árabe, está, até agora, dividida. A ver. Ou isso ou coisa parecida seria, com sorte, o começo do menos mau dos caminhos para o fim da matança. E levaria tempo: só europeus (felizmente nem todos) julgam que a paz é estado natural entre crenças e nações.

* Embaixador

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