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20 de Março de 2013 às 00:01

O Papa Francisco

Em 1974, ao capitão de Abril que se lhe gabou de querer acabar com os ricos em Portugal, Olaf Palme respondeu que estavam há 40 anos a tentar acabar com os pobres na Suécia e ainda não o tinham conseguido.

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Na América Latina os jesuítas têm tradição de ajudar os mais vulneráveis. A partir do século XVII, enquanto portugueses e espanhóis saíam à caça aos índios para os apanharem vivos e os venderem como escravos, a Companhia de Jesus estabeleceu o que se chamavam "reduções" - aldeamentos fechados onde famílias índias encontravam refúgio e onde bandos esclavagistas, tolerados pelas autoridades seculares, não podiam pôr o pé. Muitos milhares de índios escaparam assim à escravatura, até a Companhia ser expulsa de Portugal e de Espanha e, em 1773, extinta pelo Papa Clemente XIV (viria a ser restabelecida em 1814). Mas os jesuítas não queriam só salvar vidas, queriam sobretudo salvar almas. Construir uma utopia na Terra. Índios e índias que andavam nus tinham de passar a vestir-se à europeia – para tapar as vergonhas – de trabalhar no campo e de se submeter às normas de comportamento sexual católicas.

 

O resultado foi devastador: morriam como tordos, aniquilados pelo que hoje chamaríamos depressões. (A quem seja céptico a emenda parece pelo menos tão má quanto o soneto, mas para quem acredite que as almas dos índios foram na realidade salvas, o caso muda de figura). Em suma, o trabalho dos jesuítas nos bairros de lata de Buenos Ayres tem sólidos antecedentes históricos.

Combater a pobreza é tarefa nobre, mas alguns dos protagonistas desse combate resvalam para a exaltação da própria pobreza e aí as coisas complicam-se. Em 1323, confrontada por frades franciscanos radicais – os "Espirituais" - a Santa Sé decidiu que pretender que os Apóstolos tinham vivido na pobreza era uma heresia. Alguns "Espirituais" impenitentes foram executados. Meio milénio depois Bernard Shaw escreveu que o primeiro pecado era ser pobre. Se alguém lhe dizia que era inculto porque era pobre, estava a desculpar um mal com outro pior, estava a dizer: sou coxo, mas é da sífilis. Em 1974, ao capitão de Abril que se lhe gabou de querer acabar com os ricos em Portugal, Olaf Palme respondeu que estavam há 40 anos a tentar acabar com os pobres na Suécia e ainda não o tinham conseguido.

 

A extrema pobreza – tal como a extrema riqueza – assusta à primeira vista e almas impressionáveis, de S. Francisco de Assis a Che Guevara, ficaram marcadas para sempre. Miséria, em partes do que se chamava o Terceiro Mundo (e até em bolsas na Europa de hoje), é escândalo que deveria deixar de existir e é bom que o novo Papa faça disso cavalo de batalha da Igreja. Mas não é, em si, uma violação de Direitos do Homem porque não se podem pedir contas a governos pela sua existência como se podem pedir por atropelos de liberdades civis e políticas. A menos que se queira viver em estado de revolução permanente, o que não será o propósito do Bispo de Roma.

Guerras que já não terão tanto que ver connosco, os do Atlântico aos Urais. Em 1978, na eleição de Karol Wojtila, a Itália perdeu o Papa. Agora, na eleição de Jorge Bergoglio quem perdeu o Papa foi a Europa. A globalização não perdoa.

Embaixador

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