Opinião
Reformar o Estado
A tecnologia, que os primeiros economistas modernos, da chamada Escola Clássica Inglesa, não conseguiram compreender na sua integralidade conduziu-os a postular o que designaram por "estado estacionário", que seria atingido quando todos os recursos disponíveis (na Terra finita) estivessem a ser plenamente utilizados caminhando lentamente para o esgotamento.
Ora, a tecnologia "irrompe", como uma enxurrada irreprimível, todos os dias, pelas economias e sociedades contemporâneas, destruindo empregos e não dando descanso ao desígnio imperativo da inovação, sem a qual se perde competitividade e se vai perdendo o comboio rápido da economia global.
Vem isto a propósito de um artigo, recentemente publicado, escrito por um dos mais conceituados economistas contemporâneos, Dani Rodrick: "From the Welfare State to Innovation State". A tecnologia, muitas vezes disruptiva, acaba por se tornar não a ajuda para superar insuficiências mas um empurrão forte demais, capaz de destruir os equilíbrios societais construídos, especialmente na Europa do pós-II Guerra Mundial (o Welfare State). Daí a necessidade de descobrir uma nova fórmula para que o Estado (e um novo contrato social) seja "capaz de salvar o capitalismo outra vez"(1).
Face aos avanços da tecnologia, e à possibilidade de se estar perante mais uma explosão de novas tecnologias "economizadoras de mão-de-obra", que obrigam a uma cada vez maior qualificação dos trabalhadores, as sociedades contemporâneas estão perante dois importantes desafios: melhorar incessantemente os sistemas de ensino e aumentar exponencialmente a formação a todos os níveis – um operário hoje já não utiliza a sua força muscular, mas trabalha com máquinas digitais sofisticadas; incentivar a existência de empresários dispostos a correr riscos cada vez maiores, criando uma oferta consistente de capital de risco; e, finalmente encontrar uma nova fórmula para o Estado que, sem se intrometer na actividade privada nem prejudicar as suas funções reguladoras e disciplinadoras, se constitua numa alavanca que ajude a ultrapassar os desafios anteriores.
A nova fórmula para o Estado que, como é reconhecido já desempenha um papel importante no financiamento de novas tecnologias (2) seria a do Estado-inovação. Defende então Rodrik que os governos poderiam criar fundos públicos de capital de risco, que como é próprio desses fundos, poderiam tomar posições de capital numa série prioritária de tecnologias, financiando-se nos mercados financeiros. Esta solução para Portugal, dada a nossa posição de não produtor mas, sobretudo, de comprador de tecnologias, só excepcionalmente seria adequada.
A ideia de Rodrik poderia ser utilizada com vantagens semelhantes com a adopção do conceito de Estado Inteligente, que há poucos anos foi desenvolvido no contexto do projecto FAROL (3), onde o Estado se identifica como um parceiro fiável do sector privado, continuando a ter um papel decisivo no investimento, na inovação e na criação de emprego, assume as suas funções fundamentais e se retrai na intervenção directa na esfera económica. Abre o caminho para o desenvolvimento e cooperação com a sociedade civil no delinear de estratégias, na construção de infra-estruturas e na adopção de medidas de incentivo à produtividade e competitividade, afirmando-se pela estabilidade e previsibilidade da sua actuação.
Creio que seria um bom princípio para o nosso País começar a abordar seriamente a reforma do Estado, sem improvisações, sem iludir o essencial, adoptando formas e comportamentos adequados aos contextos e dinâmicas geradas pela globalização. Portugal precisa de se modernizar nas suas estruturas; quer as públicas, acima de tudo pondo à disposição da sociedade serviços colectivos que vão ao encontro da sua vocação e às necessidades dos cidadãos, quer as privadas tendo de contar para isso, com empresários empreendedores, cosmopolitas, globais.
(1) Dani Rodrik, From Welfare State to Innovation State, 2015/01/14, Project Syndicate.
(2) Idem
(3) AAVV, Portugal 2020, Entre o Sucesso e a Irrelevância, Projecto Farol, Deloitte, Tinta da China, Lisboa, 2012.
Economista. Professor do ISEG/ULisboa