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30 de Novembro de 2020 às 15:14

Morte ao Homem Branco Racista e Colonialista

Uma intervenção de Mamadou Bá num coloquio internacional citando Franz Fanon num livro prefaciado por Jean-Paul Sartre o laureado Nobel francês desencadeou uma onda imensa de comentários e criticas quer nos jornais quer nas redes sociais e nas rodas de amigos.

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Poderia ter sido o mote para o começo de um muito necessário debate sério sobre o racismo da sociedade portuguesa. Lamentavelmente praticamente todas as intervenções dos comentadores, naturalmente brancos, revelaram (1) nunca ter lido Fanon nem o prefácio de Sarte, (2) não ter percebido o que Mamadou Bá disse, (3) levar à letra apenas Morte ao Homem Branco, o que é deturpar completamente o sentido do que foi dito. Uma oportunidade bem oferecida, mas totalmente perdida.

 

Infelizmente fica a nu a completa ignorância de uma certa intelectualidade portuguesa dominante, ignorante das ideias e do discurso anticolonial dos anos 50 do século passado - Fanon morreu em 1961 e Sartre em 1980. Que não leu nada sobre racismo, que não percebe as suas manifestações, que se assusta de forma parola quando ouve "Morte ao Homem Branco Racista e Colonialista" e escreve despudoradamente evidenciando ao mundo o seu desconhecimento de um intelectual negro, Franz Fanon, cuja leitura faz parte do curriculum de muitos cursos universitários de ciências sociais em todo o mundo.

 

No seu comentário certeiro Rui Zink, sempre genial na capacidade de apreender o fundamental, comparou o dito de Mamadou Bá a alguém que proclamasse ser necessário matar o marialva português. Aí os intelectuais nacionais percebiam perfeitamente. Não se trataria de matar literalmente, mas de abandonar práticas machistas como a de matar, agora literalmente, a esposa, a namorada ou companheira, como fazem os marialvas portugueses. Seriam porventura nessa altura capazes de separar o matar literal do matar metafórico, o assassinato do afastar comportamentos, reformular instituições, abandonar maneiras de pensar.

 

Talvez alguns até fossem capazes de refletir honestamente sobre o quotidiano, de vislumbrar os sapos nas montras, a ausência de negros portugueses nas universidades, os bairros segregados, a discriminação laboral, o preconceito enraizado, a História deturpada e contribuir para matar o tanto que existe em Portugal das práticas racistas e colonialistas do homem branco.

 

Mas esse parece ser um esforço intelectual demasiado pesado para tantos que dão a sua opinião sobre tudo e nada e que pouco sabem do que falam.

 

Perdida esta oportunidade de discussão e diálogo ficamos todos a perder. Sugiro, pois, aos que agora assustados com a avalanche de baboseiras e receosos de se envolver em polémicas com retintos ignorantes, que venham a terreiro iniciar um debate sério, provavelmente desconfortável mas indispensável, sobre o que verdadeiramente disse Mamadou Bá. Um debate que, obviamente, não deve ser dominado pela opinião do homem branco, mas deve necessariamente incluir outras vozes da grande diversidade que é e sempre foi a sociedade portuguesa.

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