Opinião
Venezuela: perder-se até à exaustão
O risco de golpe militar é algo que Maduro tem bem presente, mas as prebendas que oferece a incorporação das forças armadas, polícias e milícias nas estruturas de poder inviabilizam de momento um "pronunciamiento".
A Leopoldo López e Antonio Ledezma o "Servicio Bolivariano de Inteligencia Nacional" foi buscá-los a casa de madrugada e assim começou a razia de opositores capazes de liderarem a contestação à ditadura de Nicolás Maduro ainda antes de o Presidente assumir plenos poderes.
A aprovação da Assembleia Nacional Constituinte por 8,1 milhões de venezuelanos (41,5 % do eleitorado, segundo cômputo governamental) visa permitir a Maduro obliterar a Assembleia Legislativa em que a "Mesa de la Unidade Democrática" - frente de partidos de oposição agregando de conservadores a sociais-democratas - detém uma maioria de 2/3 desde as eleições de Dezembro de 2015.
A procuradora-geral Luisa Díaz, dissidente do chavismo cujo mandato termina em 2021, tem os dias contados, e poderes das 24 entidades federais e municípios serão avocados a instituições controladas pelo Presidente que eliminará resquícios de independência do ramo judicial.
O projecto Maduro tem retinto recorte comunista cubano e implica, ainda, a partilha do poder presidencial com altas patentes das forças armadas e de segurança, a par da hierarquização centralista de comités de supervisão e gestão de empresas e entidades de prestação de serviços estatais.
O risco de golpe militar é algo que Maduro tem bem presente, mas as prebendas que oferece a incorporação das forças armadas, polícias e milícias nas estruturas de poder inviabilizam de momento um "pronunciamiento".
Mesmo que a fraude de domingo tenha duplicado o número de participantes na votação, o regime pode ainda contar com um núcleo de apoiantes próximo dos 20% do eleitorado, o que permitirá, num cálculo grosseiro, gerir no curto prazo a assunção de plenos poderes.
Maduro, contudo, teve dificuldade para vencer o candidato da MUD Henrique Capriles nas presidenciais de Abril de 2013, obtendo apenas 51 % dos votos, e carece de subtileza na manobra o que poderá torná-lo a qualquer momento personagem descartável até para próceres muito próximos como Diosdado Cabello ou Cilia Flores ou levar Havana a optar por outro chavista.
Uma quebra do PIB que deverá superar no final deste ano 35% em relação a 2013, ano do passamento de Hugo Chávez, agudiza a crise social.
No Inverno, a inflação rondará os 1000 % e as reservas financeiras serão insuficientes para cobrir o serviço de dívida, mas o sucessor de Chávez conta com a mobilização nacionalista ante sanções e boicotes internacionais para siderar a oposição parlamentar e tirar da ribalta potenciais líderes da contestação nas ruas.
Levar sanções internacionais - congelamento de bens, proibição de transacções comerciais e vistos de entrada - a abranger um número crescente e significativo de pessoas e familiares próximos de responsáveis do regime que participem nas decisões da Assembleia Nacional Constituinte e de altos responsáveis civis e militares que as venham a acatar é a opção morosa, mas consistente para cavar clivagens entre apoiantes de Maduro e potencialmente abrir caminho a um diálogo com a oposição.
Tal estratégia por razões humanitárias exclui o boicote às vendas de petróleo, designadamente as compras dos Estados Unidos que representam metade das receitas em divisas, e só fará sentido se incluir estados americanos que não reconhecem a fraude da Constituinte - caso de Brasil, Peru, Colômbia, Argentina, Chile, México, Panamá - Washington e a UE.
Por maior que seja o repúdio internacional, apesar de o sustento político de Moscovo a Caracas ou de Pequim continuar a aceitar petróleo em pagamento da dívida de 65 mil milhões de dólares, nenhuma força externa se pode substituir à oposição democrática venezuelana no combate político a Maduro.
O Presidente espera que as manifestações iniciadas em Abril percam fôlego e se esgotem num clima de anomia e violência à medida que a maioria dos venezuelanos, assoberbada na luta pela subsistência quotidiana, descarte os protestos a troco da sobrevivência.
O cálculo é cínico, plausível, mas arriscado pois as fúrias e as violências não raro escapam ao controlo pela força e propaganda.
Leopoldo López, depois de condenado, em 12 de Setembro de 2014, a 13 anos, 9 meses, 7 dias e 12 horas de prisão, lançou da prisão militar de Ramo Verde, no Norte do país, um apelo aos venezuelanos.
Escrevia López: "Quem se cansa perde... E eu nunca me cansarei de lutar pela Venezuela!"
No dia 8 de Julho, todos os protestos pela detenção deste líder de centro-esquerda levaram o Supremo Tribunal, às ordens de Maduro, a reverter a pena, alegando motivos de saúde, em prisão domiciliária por igual período.
Na madrugada de 1 de Agosto López foi levado da sua casa em Caracas e voltou para o presídio no Norte do país.
O resto saber-se-á depois se López fizer valer a sua promessa ou quando a Venezuela ruir por desespero e exaustão.
Jornalista