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14 de Outubro de 2014 às 19:40

O petróleo jihadista

É costumeiro que movimentos insurreccionais recorram a tácticas terroristas e procurem sustento material nos recursos naturais das regiões e entre as populações que controlam, e o "Estado Islâmico" (EI) não foge à regra tendo encontrado na intimidação e no petróleo o nervo da sua guerra santa.

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Os jihadistas de Abu Bakr al-Baghdadi contam com a imensa vantagem de recrutarem entre populações sunitas refractárias a regimes dominados por xiitas e alauítas e, portanto, susceptíveis ao apelo da doutrinação extermicionista étnico-religiosa após o colapso de décadas de ditaduras seculares panarabistas.

 

As actuais lideranças político-militares do "EI" têm conseguido combinar com êxito tácticas de combate terrorista e convencional apuradas desde os primórdios da resistência à invasão norte-americana do Iraque em 2003 e nos confrontos da guerra civil na Síria em 2011.  

   

A rápida expansão jihadista ao longo deste ano, culminando na proclamação do califado em Junho, gerou, entretanto, uma economia de guerra sui generis obrigando a uma exploração sustentada dos recursos económicos disponíveis num território que cobre sensivelmente um terço da Síria e um quarto do Iraque com seis a oito milhões de habitantes.     

   

A renda da guerra

 

O peso do saque e rapina próprios de acções de guerrilha intimidatórias, dos proventos de extorsões e resgates de reféns, das dádivas de confrades das monarquias sunitas do Golfo passou para segundo plano à medida em que o "EI" teve de criar condições para manutenção das populações sob seu controlo e fontes permanentes de rendimento.

 

Tornou-se patente desde o início do Verão deste ano que os jihadistas tinham encontrado no contrabando do petróleo a sua principal fonte de rendimento ao mesmo tempo que procuravam evitar quebras irreversíveis nas produções agrícolas, em especial culturas cerealíferas, e pecuárias nas regiões conquistadas.

 

A resolução 2170 do Conselho de Segurança da ONU interditou em Agosto aquisições de petróleo ao "EI" e aos salafistas da "Al Nusra" ("Frente para a Vitória do Povo Sírio") e os primeiros ataques aéreos norte-americanos em Setembro incidiram precisamente sobre poços e refinarias no Leste da Síria nas mãos dos jihadistas.

 

Apesar da falta de técnicos qualificados, a capacidade de extracção nos poços controlados pelo "EI" na província síria de Deir al Zor ou em Nínive, no Iraque, e o processamento em refinarias móveis alimenta um significativo fluxo de contrabando de crude, gasóleo e gasolina direccionado sobretudo para a Turquia, com alguns fornecimentos rumo ao Irão e Jordânia.

Estimativas díspares sobre os valores do contrabando vão de 1 a 6 milhões de dólares/dia, sendo certo, contudo, que as vendas implicam descontos de 75% em relação aos preços de mercado.

 

O contrabando da guerra

 

As redes de contrabando retomam as rotas tradicionais do Norte do Iraque e Síria para a Turquia onde o tráfico nas zonas curdas que acatam a soberania de Ancara é tradicionalmente permitido pelo governo turco ou, por meios mais tortuosos, serve aos interesses dos separatistas do "Partido dos Trabalhadores do Curdistão".

 

Das mulas serpenteando pelas montanhas, aos camiões com bidões de gasóleo ou gasolina, passando pelos oleodutos improvisados usando tubos de plástico para irrigação, o contrabando para a Turquia retoma redes dos anos das sanções a Saddam Hussein e na Síria é um dos recursos à mão para as facções em guerra de Aleppo a Homs.

 

O confronto entre o governo de Ancara e os separatistas curdos e a recusa de Recyp Erdogan em envolver tropas em guerras civis na Síria e no Iraque num arco de intratáveis conflitos regionais que, no caso de consagrarem autonomias estatais de curdos da Síria ou Iraque, ameaçam a integridade da Turquia, e contribuirá pelo menos no curto prazo para a consolidação do califado de Abu Bakr al-Baghdadi.           

 

Para o Califado haverá, pelos menos, sustento no contrabando enquanto o confronto turco-curdo o permitir.

        

Jornalista

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