Opinião
O que vai correr mal na Coreia
Kim Jong-un terá de calibrar cuidadosamente as suas acções para evitar embaraçar o secretário-geral Xi Jinping em vésperas do Congresso do Partido Comunista da China e escapar a um embargo das vendas de petróleo de Pequim à Coreia do Norte.
Se Kim persistir na escalada de desaforos até ao Congresso deste Outono, testando mísseis como ocorreu por ocasião da Cimeira do G20 em Hangzhou em Setembro de 2016 ou do Fórum de Cooperação Internacional em Pequim em Maio deste ano, é possível que a liderança comunista opte pela asfixia económica de Pyongyang, restringindo inclusivamente o acesso aos sistemas bancário e de telecomunicações chineses.
Um sexto teste nuclear tão pouco é de excluir e, para o evitar, a hipótese de Pequim promover um golpe em Pyongyang é remota, sobretudo depois de Kim ter executado em 2013 o seu tio Jang Song-thaek, um dos escassos contactos minimamente fiáveis da China entre a liderança norte-coreana.
Apesar de a China ser o parceiro económico vital, Kim tem ignorado os interesses de Pequim desde a chegada ao poder no final de 2011, a ponto de a escalada no confronto com os Estados Unidos revelar-se prejudicial para Xi Jinping, alarmante para a vizinha Rússia e um risco existencial para a Coreia do Sul e o Japão.
Ao humilhar a China, ignorar a Rússia, e afrontar os Estados Unidos, Kim selou a sua sorte.
Na guerra contra o Japão, na tentativa falhada de levar de vencida os rivais apoiados pelos Estados Unidos, entre 1950 e 1953, e na consolidação do regime, Kim Il Sung soube aproveitar-se dos interesses conflituais de Stalin e Mao e dos subsequentes líderes russos e chineses até à sua morte em 1994.
Kim Jong Il herdou a capacidade do pai para lidar com um ambiente hostil à ideologia nacionalista e racista de auto-suficiência norte-coreana, superou a crise dos anos de fome na década de 90 e conseguiu fazer explodir uma arma nuclear em 2006.
Garantida uma capacidade mínima de dissuasão pela posse de arsenal nuclear, químico e biológico capaz de infligir perdas inaceitáveis à Coreia do Sul, ao Japão e aos contingentes militares norte-americanos em ambos os países, o último dos Kim subiu ainda mais a parada.
Os testes de mísseis balísticos intercontinentais e avanços na miniaturização de ogivas nucleares colocaram Washington ante a possibilidade de um revés estratégico comparável ao sofrido em 1964 com a explosão da primeira bomba atómica na China de Mao.
As garantias de segurança de Washington aos aliados no Leste da Ásia foram postas em causa, sendo certo que Pyongyang nunca abdicará do arsenal nuclear mesmo que os Estados Unidos cedessem à exigência de assinatura de um tratado de paz e retirada de tropas da Coreia do Sul.
Kim tem urgência em obter concessões antes que as sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança este mês reduzam substancialmente as receitas de exportação, estimadas em 3 mil milhões de dólares.
Pyongyang precisa, no entanto, de realizar mais testes de mísseis balísticos de médio e longo alcance para apurar a eficácia de projecção e reentrada na atmosfera de ogivas nucleares.
Os diferendos fronteiriços e de soberania de Pequim nos Himalaias, mar do Sul da China, Taiwan e mar da China Oriental, além dos conflitos comerciais com Washington, em nada facilitam um acordo regional para lidar com a Coreia do Norte e Kim conta com isso.
O risco de o Japão desenvolver capacidade atómica militar autónoma é um dos cenários indesejáveis para Pequim, Moscovo e Washington, que a presente crise aviva ainda antes de se ponderarem as ramificações regionais do colapso ou destruição do regime norte-coreano.
Contudo, de pouco valem a Kim estes constrangimentos porque avaliam mal as lógicas de escalada e a necessidade de os Estados Unidos provarem uma capacidade efectiva de dissuasão agravada pela retórica bombástica de Trump.
Testes de mísseis sobrevoando o Japão como os realizados em 1998 e 2009 ou o retomar deflagrações nas 200 milhas da Zona Económica Exclusiva conforme tem vindo a ocorrer desde Agosto do ano passado vão obrigar desta vez a tentativas de intercepção.
Dependendo do número de mísseis lançados com sucesso de plataformas móveis ou submarinos norte-coreanos, um fracasso total ou parcial de intercepções pelo Japão ou Estados Unidos obrigará a rever procedimentos militares aumentando a tensão.
Intercepções bem-sucedidas obrigariam, por seu turno, Kim a realizar mais testes para salvar a face e provar determinação letal.
Em Pyongyang poderão, entretanto, avaliar erradamente os exercícios militares conjuntos norte-americanos e sul-coreanos que começam na próxima semana, receando um ataque nuclear tal como sucedeu em Moscovo em 1983 quando a NATO iniciou as manobras do Able Archer 83.
A possibilidade de conter as hostilidades num cenário de curto confronto limitado e convencional, admitindo uso restrito de armas químicas e biológicas, é, em última análise, diminuta.
A Coreia do Norte possui uma capacidade nuclear limitada (entre 13 a 60 ogivas, tendo o teste de Setembro de 2016 atingido uma potência entre as 10 e as 30 quilotoneladas, consoante as estimativas mais baixas e mais altas) e não pode correr o risco de perder o seu trunfo maior ante a ameaça de ataque iminente.
Não tendo forma de certificar se se trata de um ataque limitado, o uso imediato da totalidade do arsenal disponível é a alternativa ao dispor de Pyongyang ainda que isso implique a destruição de todas as estruturas do regime.
Os cenários são negativos e tudo se conjuga para um desfecho catastrófico na península coreana.
Jornalista