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Opinião
03 de Abril de 2013 às 00:01

Hipertensão nuclear

A retórica de guerra na península coreana vai ter um impacto económico e financeiro na Europa que é perigosamente subestimado.

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A nova ronda de ameaças por parte de Pyongyang tem como pretexto imediato as manobras militares anuais das forças sul-coreanas e norte-americanas que Washington não pode deixar de realizar para fazer prova das suas garantias de segurança na península e em todas as regiões asiáticas onde se faz sentir o incremento da capacidade de projecção de força de Pequim.


A adopção de mais sanções económicas e financeiras pela ONU após a realização do terceiro teste nuclear norte-coreano em Fevereiro e a necessidade do jovem Kim Jong-un, chegado ao poder em Dezembro de 2011, consolidar uma imagem de força entre os militares na tradição dinástica do avô Kim Il-sung e do pai Kim Jong-il, contam igualmente como factores agravantes da presente crise.

Testar a nova presidente em Seul, Park Geun-ye - filha do antigo ditador militar Park Ghung-hee - eleita em Dezembro, é outra vertente da estratégia da liderança norte-coreana que se mostra cada vez perplexa ante os sinais que chegam do sul.

Desde o início da democratização no Coreia do Sul no final dos anos 80 a política dos sucessivos presidentes tem variado entre a adopção de uma linha intransigente ante a ditadura nortenha e propostas de apaziguamento.

O antigo dissidente Kim Dae-jung, depois de eleito chefe de estado em Dezembro de 1997, lançou a chamada política do "sol que brilha" inspirando-se nas longínquas fábulas do grego Esopo.

O soprar de um vento forte nunca levará um homem desconfiado a largar o seu manto de abrigo, mas o sol que brilha acabará por convencê-lo a gozar o calor e desta fábula se partiu para uma tentativa de cooperação e criação de confiança mútua com a paranóica ditadura de Pyongyang herdeira de um complexo de taras das piores tradições racistas e nacionalistas coreanas, além de perversões ideológicas confucianas e stalinistas.

A rápida expansão da economia sul-coreana que a partir da década de 70 deixou para trás o vizinho do norte, o colapso soviético, as reformas económicas na China, a crise de abastecimentos dos anos 90 desencadeando uma fome que vitimou mais de um milhão de norte-coreanos, davam algum sentido a esta inédita tentativa de aproximação desde o final das hostilidades em 1953.

Um factor deitou por terra a iniciativa numa altura em que o cepticismo sobre a eventualidade da reunificação da península já predominava entre a maioria dos 50 milhões de sul-coreanos, sobretudo cidadãos com menos de 40 anos que rejeitam uma política de confronto, mas se desinteressam da sorte da população a norte, temendo os elevados custos da absorção de 24 milhões de compatriotas.

Kim Jong-il nunca perdera de vista que só a posse de armas nucleares poderia evitar que os Estados Unidos voltassem a considerar a possibilidade do uso de bombas atómicas contra Pyongyang tal como o general Douglas MacArthur propusera ante o avanço das tropas norte-coreanas e chinesas durante a guerra iniciada em 1950 por Kim Il-sung para descontento do presidente Harry Truman que acabou por demitir o herói da Guerra do Pacífico em Abril de 1951.

A ameaça nuclear de MacArthur, o bombardeamento arrasador do Norte da península, o arriscado exercício de manipulação das divergências entre os patronos chineses e russos, acentuaram os traços paranóicos da beligerância de Pyongyang e tiveram um papel essencial no desenvolvimento de um projecto militar nuclear, com cumplicidade da rede clandestina do paquistanês Abdul Khan, que culminou no teste de 2006.

Desde então a Coreia do Norte é invulnerável a ameaças militares porque dispõe de capacidade de retaliação contra a Coreia do Sul e o Japão, sendo a diminuta dimensão do arsenal irrelevante ante a sua potencial e insuportável capacidade destrutiva.

Tal como Israel, Índia e Paquistão, a Coreia do Norte ignorou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e tornou-se uma potência intratável que, apesar de depender da China para fornecimentos de combustível e alimentos, joga por sua própria conta exigindo que Washington assine um tratado de paz pondo termo ao estado técnico de guerra, retirando tropas e arsenais da península, provendo ajuda gratuita económica e financeira, além de garantias de segurança.

O risco de escalada não é de subestimar porque, por exemplo, a presidente Park não pode arriscar oferecer uma imagem de inibição e temor de uso da força militar conforme sucedeu ao seu antecessor Lee Myung-bak na sequência do bombardeamento pelo Norte da ilha de Yeonpyeong em Novembro de 2010, e Kim III mal chegado aos trinta anos ainda tem de puxar lustro aos galões militares.

A questão maior, contudo, nem se joga na península coreana, onde China, Rússia e Japão têm, também, todo o interesse em evitar um conflito militar, mas sim no Médio Oriente.

A invulnerabilidade da Coreia do Norte é precisamente o estatuto a que aspira o Irão e esta nova vaga de ameaças no extremo-oriente é um baço vislumbre do que poderá acontecer de pior se Teerão concretizar a obtenção de armamento nuclear.

Por vontade de ignorar as piores opções possíveis subestima-se o efeito altamente negativo que a retórica de guerra no extremo-oriente tem vindo a causar sobre outra intratável crise no Médio Oriente.

Seja dentro em breve ou passe ainda mais um ano ou dois nem Israel, nem os Estados Unidos podem permitir-se acabar encurralados num impasse similar ao que ocorre na península coreana.

Isso implica, em última análise, o uso da força militar e vai ter consequências muito negativas na Europa.

Neste caso vale o "de te fabula narratur" com que o romano Horácio advertiu incautos alheios às consequências de tramas tenebrosas que lá longe os envolvem e arrastam.

Este transe coreano fala de nós e vai custar-nos caro.


Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/

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