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12 de Maio de 2015 às 20:22

Cameron e a bomba da Grécia

A bancarrota da Grécia surge como um dos maiores imponderáveis do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, obrigando David Cameron a tentar arrancar concessões aos parceiros europeus numa conjuntura deplorável.

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Londres, fora do núcleo decisório da moeda única, carece de peso no Parlamento europeu depois de Cameron ter optado em 2006 por sair do Partido Popular Europeu para fundar, três anos mais tarde, com os polacos da Lei e Justiça e a Alternativa para a Alemanha, o grupo eurocéptico Conservadores e Reformistas Europeus.

 

Após a adesão britânica de 1973, a Grã-Bretanha - com Margaret Tatcher a impor uma estratégia antifederalista de futuro promissor - começou a trilhar o caminho para um estatuto especial na UE feito de outputs (harmonização fiscal e legislação social, Schengen, imigração, direito de asilo, etc.), a par de uma relação privilegiada com Washington e a autonomia plena de políticas externa e de defesa.

 

A promessa de referendo até 2017 de Cameron leva às últimas consequências uma estratégia de "estatuto especial".

 

O reino excêntrico

 

Os arranjos institucionais do Tratado de Lisboa de 2009, a previsível divergência entre Estados da moeda única e parceiros fora do bloco da moeda única (onde avultam por opção a Grã-Bretanha e a Suécia, e pela dimensão da sua economia a Polónia maioritariamente interessada na adopção do euro) passaram a dificultar cada vez mais a formação de alianças no interesse de Londres.

 

À direita ou à esquerda, os governantes franceses privilegiam entendimentos com Berlim mesmo que pontualmente convirjam com Londres nas áreas de defesa e segurança (Tratados de cooperação de Novembro 2010).

 

Búlgaros ou polacos, por exemplo, opõem-se a limitações à liberdade de movimentos dado serem admitidas apenas restrições transitórias durante o prazo máximo de 7 anos a contar da adesão do estado de origem do trabalhador, incidindo sobre o trabalho por conta de outrem e respeitando o princípio da igualdade de tratamento. 

 

Estão excluídos compromissos que obriguem a revisões de tratados tanto mais que a eleição presidencial em França e a votação para o Bundestag na Alemanha em 2017 condicionam negociações que levem a cedências significativas a Londres.    

  

O euro em bolandas 

 

Sem financiamentos da UE e do FMI desde Agosto de 2014, Atenas está prestes a consumar a bancarrota, com a coligação de extrema-esquerda e extrema-direita a   fechar um ciclo de degradação aberto por conservadores e socialistas.

 

O desbloqueamento in extremis de 7,2 mil milhões de euros até final de Junho apenas adiaria o inevitável pois não existem condições políticas para um terceiro resgate.

 

A Grécia levanta as questões da não-irreversibilidade da adesão à moeda única e de transferência de custos de reestruturações e incumprimento para os demais Estados do euro.

 

Os imponderáveis da morte súbita da Grécia do euro, o apuramento de responsabilidades políticas e financeiras de credores e devedores vão inquinar o ambiente e trarão muita lenha para a fogueira do "não" no referendo britânico. 

                                 

O país a norte

 

O desfecho do referendo dependerá ainda das negociações entre conservadores e nacionalistas escoceses no sentido de Westminster dar cumprimento às promessas feitas pelos unionistas no referendo de Setembro de 2014.

 

Desde o restabelecimento do parlamento de Holyrood em 1999 (referendado dois anos antes), Londres abdicou de jurisdição sobre as áreas da justiça, saúde, educação, política ambiental e de habitação, mas o Partido Nacional Escocês (PNE) está agora em condições de exigir o controlo de políticas fiscais e económicas.

 

Na votação para o parlamento escocês de Maio de 2016 trabalhistas e conservadores continuarão a estar presentes em Holyrood graças ao sistema de representação proporcional mista, mas o vento sopra a favor da primeira-ministra, Nicola Sturgeon.

 

Para a líder nacionalista a preservação da União firmada em 1707 é, de momento, possível, mas limitada à partilha da monarquia, da libra, e à condução pelo parlamento de Westminster das políticas externa e de defesa.

 

O PNE exige, contudo, uma palavra na definição de toda e qualquer decisão que afecte a Escócia e, por exemplo, a retirada de armamento nuclear da base naval Clyde em Gare Loch mantém-se na agenda dos nacionalistas.

 

Cameron tem de negociar a federalização do Reino Unido a par de um estatuto especial soberanista na UE.    

 

A incerteza à vista

 

Dos 46,4 milhões de recenseados, 66,1% votaram quinta-feira e dos resultados apenas se pode extrapolar que no próximo referendo poucos ou nenhuns dos 3,8 milhões de votantes do Partido da Independência do Reino Unido vão alterar a sua opção. 

 

Do histórico dos referendos nacionais regista-se uma participação de 65% na votação de 1975 que aprovou a permanência na Comunidade Europeia (Mercado Comum) (67% a favor).

 

Só 42% dos eleitores compareceram ao segundo referendo nacional realizado em 2011 para rejeitarem (68% contra) a adopção do sistema de voto alternativo (preferencial) para a Câmara dos Comuns.

 

É de esperar que o próximo referendo tenha participação elevada, mas por aqui devem ficar as previsões.

 

Nem sequer se sabe se David Cameron virá a apelar ao "sim" no caso de a crise do euro e a impossibilidade de arrancar concessões aos parceiros da UE revoltarem as hostes conservadoras.

 

Jornalista

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