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01 de Julho de 2015 às 00:01

A renúncia da Grécia

A lógica leninista de Alexis Tsipras iludiu os parceiros do euro e arrastou-os para um universo fantasmagórico em que um referendo sobre coisa nenhuma é transfigurado em acto político da maior relevância.

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O líder grego apostou numa estratégia de ruptura exigindo que os credores aceitassem as suas responsabilidades pelo endividamento helénico para os obrigar a admitir perdões de dívida e financiamentos a fundo perdido.

 

Na frente doméstica o Syriza denunciou, por seu turno, a cumplicidade da oligarquia capitalista, de conservadores e socialistas, em políticas impostas pela troika que redundaram em pauperização sem prover a solvência do Estado.

 

A convocação de um referendo sobre propostas caducas e de nulas consequências na ordem jurídica interna e europeia foi dos últimos artifícios para legitimar politicamente a ruptura.            

   

O dia seguinte

 

No abstruso referendo, Tsipras triunfa se o eleitorado votar contra a aceitação de dois documentos sem validade jurídica e ganha caso haja assentimento quanto às propostas da troika datadas de 25 de Junho e, entretanto, prescritas.

 

A manobra passa por atemorizar os parceiros europeus com as consequências gravosas de uma saída da Grécia do euro, a "bomba atómica" com que Tsipras sempre ameaçou.

 

O governo de Atenas anunciou, ao mesmo tempo, que contestaria no Tribunal de Justiça da UE actos que impliquem a exclusão de Atenas da Zona Euro e o fim de financiamentos da parte do BCE. 

 

O pedido de um terceiro resgate às instituições europeias - via Mecanismo Europeu de Estabilidade, excluindo o FMI e sem contrapartidas vinculativas legais de reforma do Estado - visou demonstrar empenhamento negocial e condicionar politicamente o BCE.

 

Sustentar a liquidez da banca grega até 20 de Julho não seria impossível, a manterem-se até lá as restrições a movimentos de capitais na Grécia, mas, nessa data, quando Atenas falhar o pagamento de 3,5 mil milhões de euros ao BCE, não haverá alternativa estatutária em Frankfurt ao corte de financiamento.

 

Caras e coroas

 

Tsipras só tem a ganhar com a creditação política (carente de valor legal) para negociações a curtíssimo prazo, defendida por Jean-Claude Juncker e Angela Merkel, de um referendo (sem implicações jurídicas) que, alegadamente, oporia um sim/não à manutenção da Grécia no euro.

 

Ante um eleitorado que rejeita mais cortes orçamentais ou aumentos da carga fiscal e recusa, simultaneamente, perder o euro, Tsipras apresenta-se como defensor da soberania nacional e do vínculo europeu e, salvo evento catastrófico que acarrete uma vitória esmagadora do "sim", mantém a iniciativa política.

 

Remodelação governamental ou convocação de eleições antecipadas são opções que lhe quedam sempre em aberto independentemente do resultado do referendo.

 

A radicalização política e o colapso do bipartidarismo conservador-socialista impedem a formação, por via eleitoral, de coligações minimamente consistentes para  reformas de uma economia sem capacidade competitiva no âmbito do euro e de um Estado viciado no financiamento externo a fundo perdido de clientelas enquadradas por sistemas de patrocínio.

 

Os parceiros europeus não terão interlocutores do lado grego para obviar à bancarrota de Atenas.

 

Lenin explica

 

Muito leninista, apostado na subversão anticapitalista de etapa em etapa até à estocada final, esticou demasiado a corda e acabou mal.    

 

Presume o leninista de Atenas que a ruptura com a Zona Euro e a ampla margem de manobra que sobrará para subverter o funcionamento da UE e, eventualmente, alguma chantagem na NATO, serão politicamente viáveis através da mobilização nacionalista.

Tsipras sabe tocar as teclas da tradição e do sentimento.

 

Exalta o popular poema de 1901 de Konstandinos Kavafis "A algumas pessoas um dia cai/em que o grande Sim ou o grande Não sobrevém/dizer".

 

Glorifica a "grande renúncia", evocando o mitificado "Não" do general Ioannis Metaxas ao ultimato de Mussolini de 28 de Outubro de 1940 (dia celebrado por todas as comunidades helénicas) que levou ao ataque fascista à Grécia.

 

Tsipras subestima, contudo, a dimensão da implosão económica e social que advirá da bancarrota, primeiro pelo incumprimento ante o FMI, e, depois, pelo colapso da banca com o fim do financiamento do BCE.      

 

A corda

 

Lenin desprezava capitalistas estúpidos a ponto de lhe venderem a corda com que os iria enforcar.

 

Tsipras quer atemorizar capitalistas ainda mais estúpidos para que lhe ofereçam a corda para enforcar oligarcas e burocratas no altar do euro.

 

Nestas coisa de forcas e matanças muito gente padeceu, feneceu e morreu.

 

P.S.: a versão portuguesa de "Che fece...il gran rifiuto" pode ler-se em "Os Poemas", Konstandinos Kavafis, tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, "Relógio D' Água", Lisboa, 2005. 

 

Jornalista

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