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Quando as crianças quiserem respostas

Aos 18 anos, as crianças que resultam de PMA podem conhecer a identidade civil dos dadores. Diz a lei, publicada esta semana. Que também garante um regime de confidencialidade para alguns dadores. Mas também parece dizer o contrário.

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Deixem-me ver se consigo explicar porque fiquei com a impressão de que o novo diploma da Procriação Medicamente Assistida (PMA), de que resultam cerca de três mil bebés por ano, me parece uma lei faz de conta. Daquelas que nos deita poeira para os olhos, na esperança de que já cá não estarem quando os problemas surgirem. É sedutor pensarmos "Ah mas essas coisas não me interessam", mas suspeito que quando se tratam de direitos fundamentais se calhar era mais avisado termos a paciência de ir ao fundo das questões, para não acordarmos tarde demais. Por isso, resista a virar a página, e acompanhe-me nestas minhas interrogações.

 

a) No dia 7 de maio de 2018 o Tribunal Constitucional decidiu que o direito a conhecermos as nossas origens não autoriza exceções. Sendo assim, não fazia sentido que os portugueses nascidos de um processo de PMA, fossem obrigados a recorrer a tribunal para aceder a essas informações. Ou seja, considerava que a partir dos 18 anos e sem necessidade de alegar razões de saúde ou outras, podiam ter acesso não só à informação genética, mas também à identificação civil do dador.

 

b) A decisão do TC ressalvava, no entanto, que estes dadores não têm quaisquer direitos ou deveres em relação às pessoas que ajudaram a gerar, nem vice versa.

 

c) A decisão agitou os centros de medicina reprodutiva: se é verdade que o direito ao anonimato nunca foi absoluto, ao contrário do que por aí se diz, a verdade é que era considerado irrisório e completamente escamoteado. Ou seja, recomendava a boa-fé que à luz da nova decisão, se recolhesse o consentimento expresso dos dadores cujos gâmetas ou embriões ainda não tivessem sido utilizados. Simultaneamente, a CNPMA proibiu que se continuassem a importar gâmetas de países onde não é possível conhecer a identificação civil do dador.

 

d) Contudo, para muitos, era necessário criar um regime de exceção, que tornasse possível continuar a implantar embriões, espermatozoides e óvulos recolhidos antes de maio de 2018, mesmo sem esse consentimento reforçado. Fundamentava-se este pedido nos direitos dos casais apanhados a meio de um processo de PMA e no receio de não haver gâmetas para responder à procura. Nos centros privados, não era despiciendo também o prejuízo económico que representa descartar o material genético comprado e que é revendido a um preço alto.

 

O apelo foi feito à Assembleia da República, o diploma que procura solucionar a questão foi redigido, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou-o à velocidade da luz e foi publicado na segunda-feira em D.R.

 

Fui espreitar a nova lei, porque supostamente as leis devem ser suficientemente claras para o cidadão médio as entender. Não é o caso desta.

 

Está lá, de facto, preto no branco o direito ao acesso à informação genéticas e à identificação civil do dador e, ainda, à informação sobre eventual existência de impedimento legal a um projetado casamento.

 

Porém, tudo se torna mais confuso quando se chega à "Norma Transitória". No ponto 1, afirma que mesmo sem o consentimento expresso do dador, podem ser utilizados os embriões (por cinco anos) e os gâmetas (por três), sendo estes dadores "abrangidos por um regime de confidencialidade da [sua] identidade civil". Abrangidos por este regime estão também as dádivas utilizadas até maio de 2018, em que os dadores não se manifestaram favoravelmente.

 

Espanto-me. Num tempo em que a proteção de dados obriga a que autorizemos até o envio de um e-mail para a compra de uns sapatos, como é que se dispensa a autorização expressa numa questão como esta? E, caso digam que não, aceita-se essa recusa?

 

Mais importante ainda, assim sendo, como se assegura a aplicação prática dos direitos previstos na própria lei? As crianças que resultaram ou vierem a resultar destas PMA, voltam à estaca zero?

 

"Não se preocupem", é aquilo que leio no ponto 2 do mesmo artigo, onde se afirma que o regime de confidencialidade garantido não os pode impedir de aceder a tudo o que a Constituição e a nova lei lhes garante, identificação civil incluída. No papel, pelo menos.

 

Decididamente parecia-me mais sensato ter a coragem de assumir que só é possível usar dádivas de dadores conscientes do gesto que assumem, para que pelo menos a partir daqui se avançassem em transparência. Mas, pelos vistos, para quem tornou possível esta lei, não é assim, e os realmente interessados são ainda novos demais para protestarem. 

 

Jornalista

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