Opinião
Quando a ideologia complica a tabuada dos nove
É extraordinário como ano após ano se continua a cometer o crime que os peritos em Educação da OCDE não se cansam de denunciar: a incapacidade de Portugal avaliar as reformas que implementa.
Faz-me pele de galinha a demagogia e a hipocrisia entre políticos a propósito da Educação que, por acaso, é “só” o pilar básico do futuro.
A cretinice esteve ao rubro na semana passada com as acusações em redor dos resultados a Matemática, dos alunos do 4.º ano avaliados pelo TIMSS.
Para quem não seguiu a novela, a história conta-se em poucas linhas: o Trends in International Mathematics and Science Study é um estudo internacional que, de quatro em quatro anos, avalia as competências matemáticas dos alunos do 4.º ano, num leque gigante de países do mundo. Foram agora revelados os resultados de 2019 e ficou à vista uma descida de 16 pontos na média nacional face aos resultados de 2015, interrompendo uma subida consistente de quase 25 anos. O responsável do estudo veio alertar que a diferença era estatisticamente relevante, já para que os nossos políticos não sacudissem a água do capote.
E começou a gritaria, numa exibição do desporto favorito da nação: deitar as culpas para os que vieram antes. Os atuais responsáveis do Ministério da Educação, em exercício desde 2015, e a propósito de um estudo que reporta a 2019, garantiam que a culpa é das políticas do ministro anterior, Nuno Crato, que deixou o governo há... cinco anos. Naturalmente o próprio reagiu, afirmando que não podia ser responsabilizado por um tempo em que não só não esteve no poder como em que viu as suas medidas abandalhadas, lembrando as mil mudanças que o atual ministro operou desde o primeiro dia. Os atuais governantes voltaram à carga: nada lhes podia ser imputado porque só mexeram (oficialmente) no sistema a partir de 2018.
É extraordinário como ano após ano se continua a cometer o crime que os peritos em Educação da OCDE não se cansam de denunciar: a incapacidade de Portugal avaliar as reformas que implementa. Sem acompanhar, tirar conclusões e corrigir os erros em tempo útil, os alunos — mais uma vez esquecidos nesta guerra — ficam prejudicados para toda a vida. Pensem comigo: aparentemente se não fossem os estudos internacionais, Tiago Brandão Rodrigues não fazia a menor ideia que as crianças que frequentam as “suas” escolas, durante o seu “turno” não estão a aprender como deveriam. Depois de ter baralhado e voltado a dar as provas de aferição, mais às escuras deve andar.
Esperem, é claro que há comissões e grupos de trabalho e observatórios, inclusivamente para o estudo do que corre mal no ensino da Matemática, mas que invariavelmente chegam à conclusão de que a única solução é deitar tudo fora, dando início a uma “reforma de fundo”. Por exemplo, apesar de a subida consistente dos resultados no último quarto de século indicar que muita coisa funcionou bem (não se sabe é exatamente o quê!), o Grupo de Trabalho de Matemática, escolhido pelo atual Ministério da Educação, anunciou há dias que para que a disciplina possa vir a ser um caso de sucesso, é preciso — adivinhem lá? — “começar do zero”. Com um novo currículo que, e cito, “deverá substituir todos os programas” atualmente existentes. Decididamente a “estaca zero” é tão irresistível como dizer mal dos antecessores.
Aquilo a que os nossos políticos, sejam de que partido for, parecem incapazes de fazer é um pacto para a Educação, que permita a estabilidade necessária para que escolas, professores, pais e alunos possam trabalhar em paz e sossego, com a autonomia necessária para adaptar currículos e métodos a cada uma das crianças que têm à frente. Mas quando as ideologias e as vaidades se misturam com a tabuada dos nove, dá nisto. Não é só vergonha o que sinto, é também raiva pelo menosprezo que demonstram pelo futuro dos nossos filhos.