Opinião
“¿Por qué no te callas?”
No meio da cacofonia em que vivemos, insistir que o segredo está em saber escutar é meio caminho para a ineficácia — “O nosso bem-estar não vem de escutar ‘per se’, vem do poder de escolher aquilo que realmente queremos ouvir.”
Se os “chefes” no ativo forem como eu (fui), andam para aí cheios de remorsos por não “escutarem” suficientemente as suas equipas, por não estarem sempre disponíveis para os seus “inputs” e “insights” e outros jargões que entretanto devem ter tomado conta do mundo das empresas e que já não conheço.
Pois é, segundo os manuais da boa gestão, saber ouvir é um dos primeiros mandamentos, as suas supostas virtudes são-nos marteladas na cabeça dia e noite, e estendem-se evidentemente a todas as outras áreas da nossa vida: ai dos pais que não sabem ouvir os filhos, dos maridos/mulheres que não se escutam mutuamente, dos amigos que não põem a sua audição ao serviço uns dos outros. Até temos de escutar o nosso “verdadeiro Eu”, numa prospeção ao inconsciente sem o qual aparentemente nada se faz.
Mas, esperem, não é só uma questão de estar razoavelmente atento ao que nos dizem, há todo um caminho feito de degraus e patamares, até se atingir o nirvana da “escuta ativa”. Que tem de ser inclusiva — exige-se que se oiça com a mesma diligência as pessoas cujos “contributos” realmente valorizamos e aquelas que estamos fartos de saber que não vão adiantar nada às nossas tomadas de decisão.
Pronto, o desabafo está feito, e o leitor preparado para perceber porque é que esta semana devorei um artigo da Psychology Today, cujo título assegurava que a necessidade de escutar os outros está largamente sobrevalorizada ( “Listening is Overrated”), escrito pelo empresário Tim Leberecht, autor do bestseller “The Business Romantic” — um livro que se propõe ajudar-nos a apaixonarmo-nos de novo pelo trabalho e pela vida.
A partir desta linha são só citações, e uma grande surpresa! Segundo Leberecht, ouvir é uma tarefa árdua e que nem sequer é das mais bem acabadas do nosso equipamento de base, naturalmente aperfeiçoado para nos fazermos ouvir e, através da palavra, marcar a nossa individualidade. Além do mais, diz, com a rapidez a que ocorrem as conversas, não temos outro remédio senão dividir a atenção entre o que nos está a ser dito e a resposta que vamos dar imediatamente a seguir.
No meio da cacofonia em que vivemos, insistir que o segredo está em saber escutar é meio caminho para a ineficácia — “O nosso bem-estar não vem de escutar ‘per se’, vem do poder de escolher aquilo que realmente queremos ouvir.” E sendo assim, o que se pede a um líder ou gestor eficiente é que seja perito em discernir o que vale a pena ouvir e o que não vale.
Mas a sua atenção foca-se sobretudo nos que são obrigados a ouvir o que os gestores e os colegas (já para não falar nos clientes) têm a dizer. “Quanto mais baixo estamos na cadeia alimentar, mais se espera que sejamos ouvintes atentos”, recorda. O que o leva a pôr o dedo na verdadeira ferida: “O problema com a escuta não é só a nossa inabilidade para uma escuta profunda e constante, é também o facto de haver coisas demais a serem ditas. Sim, trabalhar a nossa capacidade de saber ouvir faz sentido, mas mais importante do que isso é que aqueles que têm a prerrogativa da palavra, sejam mais económicos no seu uso.” Sem rodriguinhos, implora aos que detêm o poder que poupem os infelizes subordinados aos seus discursos inspiracionais e manifestos de missão. Basicamente um “Por qué no te calhas?”, máxima que o rei Juan Carlos tornou famosa.
Por outras palavras, a partir de agora posso ter arrependimentos de ter falado demais, mas não de ter escutado de menos. O remorso fica, mas sempre é um refrescante ângulo novo.
Leia aqui:
https://www.psychologytoday.com/us/blog/the-romance-work/202105/listening-is-overrated