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E se for a Missa de Bach, já pode?

Ministério diz que é de evitar ensaios de cântico religiosos nas aulas de Educação Musical. Um Estado laico é uma conquista, o fervor anti-religioso já se dispensava.

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Visitei o Mosteiro do Lorvão no domingo passado, escondido no fundo do vale, um ribeiro a correr-lhe às portas e uma longa história que começa no tempo dos visigóticos, e acaba com a extinção das ordens religiosas, ou melhor com a morte da última freira no final do século XIX. Foi uma visita apressada, porque chegava a procissão que transportava a cruz do calvário da igreja velha para a igreja do mosteiro, a banda composta de novos e velhos, a cadência da música pesada e triste a envolver-nos.

 

Pouco depois li o JN, dando de caras com um folhetim que, pelos vistos, já recebera honras de primeira página na véspera: uma mãe da escola básica de Alfândega da Fé, apresentara queixa porque a filha "andava a ensaiar cânticos católicos" nas aulas de Educação Musical, destinados a uma missa pascal, a realizar na escola. Em resposta, o delegado regional de Educação do Norte proibiu a Missa (não obrigatória, estando asseguradas atividades para os que não queriam participar), repreendeu a escola pelo ensaio dos cânticos religiosos, e avisou que as atividades noutras disciplinas "em caso algum podem colocar em causa o princípio legal da laicidade". 

 

A notícia não diz, mas presume-se que tanto o senhor como os ofendidos se vão todos apresentar ao trabalho na próxima Sexta-feira Santa, além de peticionarem a mudança do nome da localidade e o fim do feriado municipal que se goza no dia de S. Pedro. Sinceramente, as cruzadas contra o crucifixo não ficam a dever nada às que se movem contra a educação sexual nas escolas, ambas com um cheiro medieval de caça às bruxas.

 

É assustador este fervor anticatólico - se fosse uma cerimónia budista, ou de qualquer sessão de meditação com nome estrangeiro, ninguém levantava uma sobrancelha -, este terror de que a criança corra perigo moral por entoar um cântico religioso, ou participar numa cerimónia religiosa, assistindo e percebendo os rituais. Porque não é só negar aos nossos filhos a oportunidade de conhecer, para poder escolher, é recusar-lhe as ferramentas para compreender a cultura e a mentalidade a que pertencem. Como entenderão as obras de arte que veem nos museus, os livros que leem, a música que escutam num concerto, as raízes da nossa justiça, afinal toda a nossa História?

 

Há dias, ao receber o prémio Fernando Pessoa, o professor Frederico Lourenço lamentava a falta de Grego e Latim no ensino secundário, e perguntava quem iria ler todos os documentos nos arquivos religiosos e seculares, exclusivamente em latim até ao tempo de D. Dinis, muitas vezes em latim depois disso. Na pressa de andar para a frente, atropelamos demasiado o passado, o que obviamente nos roubará o futuro.

 

É fundamental um Estado laico, e uma escola laica, mas como diz Jorge Bacelar Gouveia, jurista e antigo membro da Comissão da Liberdade Religiosa, "a liberdade religiosa não significa o apagamento ou desaparecimento das manifestações religiosas no espaço público. Porque isso seria, no fundo, obrigar a comunidade a converte-se a uma religião que é a não-religião". Se não tivermos cuidado, o menino vai com a água do banho, mas para já aguardo, expectante, a proibição na escola das manifestações omnipresentes da nova religião maioritária, o futebol - como é possível que ainda se permita que seja jogado no recreio? 

 

Jornalista

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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