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As vantagens das birras do chefe

A ideia de que o trabalho prejudica a família e a família prejudica o trabalho, está ultrapassada. As mães que os conciliam ficam a ganhar.

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As mães que trabalham fora de casa parecem o coelho da Alice no País das Maravilhas. Como ele andam sempre a correr e a tirar o relógio do bolso - ou numa versão mais século XXI, o telemóvel -, para constatar que estão atrasadas. Atrasadas e em falta. Sentem que saíram sempre cedo, do ponto de vista do chefe, e demasiado tarde, do ponto de vista dos filhos.

 

Deprimem-se quando na reunião da escola a professora insinua que não acompanham devidamente os malfadados TPC do filho, ou quando alguém deixa cair a "boca" de que os miúdos precisavam de mais tempo com a mãe (curiosamente, nestas alturas ninguém se lembra do pai). Vezes de mais, mergulhadas na armadilha da culpa, são presas fáceis da chantagem das próprias crianças.

 

E é verdade que andam cansadas, muito cansadas, e as estatísticas deixam claro que repartem irmãmente cada dia entre a família e o trabalho, roubando uma mísera meia hora exclusivamente para si. Mas apesar disso, quando interrogadas sobre se gostariam de deixar a profissão que desempenham, a grande maioria afirma que não. Decididamente é uma pergunta politicamente incorreta, porque ninguém se lembraria de a fazer a um homem, mas como a realidade também é incorreta, é inevitável que seja assim: os dados do 2º trimestre de 2018 do INE revelam que quando foi preciso ficar mais tempo com um filho em casa, em mais de 80% dos casos foram as mães que ficaram. 

 

Mas a pergunta é estúpida, na mesma. Porque reforça a ideia de que é suposto escolher-se. E não é.

 

Conhecer o conceito de "Enriquecimento trabalho-família", que resulta da investigação mais recente nesta área, ajuda a perceber porquê. 

 

Passo a explicar. Por norma parte-se do princípio de que o trabalha rouba tempo à família, e que a família rouba tempo ao trabalho. Compartimentam-se as 24 horas do dia entre estes dois domínios, com X para o trabalho e Y para a família, e depois fazem-se considerações sobre a equação mais desejável. Quando a questão é vista assim, sempre que um dos domínios é favorecido, o outro fica a perder. Mas o que esta nova corrente vem dizer é que para a maioria das pessoas estes dois mundos são interdependentes, gerando benefícios e não perdas ("positive spillover").  Por outras palavras, usam as competências, experiências e mais valias conseguidas de um lado para facilitar a vida no outro, tornando-a mais feliz e mais completa. Para elas, para os filhos e para quem com elas trabalha. 

 

Faz sentido. Quando uma mãe tem experiência a lidar com as birras do chefe, dá a volta às birras dos filhos em três tempos. Da mesma forma que o seu domínio do Excell, por exemplo, tem mais valias para a gestão da dispensa.

 

Mas há mais. Repare, se ser boa mãe é estar presente na vida dos filhos, não o é menos quando o seu salário permite não só pôr lhe comida no prato, como oferecer-lhe aulas de piano, ou um campo de férias. E quanto ganha uma empresa, quando uma mãe traz de casa a energia, a criatividade e a alegria com que os seus filhos a contagiaram?

 

Quando uma mãe trabalha até mais tarde, ou tem de faltar a um jogo de futebol do filho, aparentemente a família está a perder, mas na realidade não é necessariamente assim, porque o exemplo de uma mãe responsável, empenhada e que tem prazer no que faz é um ganho.

 

Os investigadores garantem que as empresas que conseguem entender e potenciar esta relação casa-trabalho, só têm vantagens. Agora é só espalhar esta ideia.  

 

Jornalista

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