Opinião
A poupança como espelho da desconfiança
Maria e António, nomes fictícios, têm um bom rendimento, a casa e o carro pagos e até consideram que o seu risco de perder o emprego é baixo.
Maria e António, nomes fictícios, têm um bom rendimento, a casa e o carro pagos e até consideram que o seu risco de perder o emprego é baixo. Mas reduziram o número de saídas para jantar fora, limitaram as despesas com as férias e adiaram a compra de um carro novo. Hoje poupam mais.
O exemplo que se acaba de dar pode ter outras variações, com pessoas que enfrentam maior risco de perda de emprego, que têm empréstimos a pagar da casa e do carro, com filhos ou sem filhos. Mas a conclusão não é muito diferente. Regra geral, os portugueses reduziram os seus consumos e aumentaram a poupança.
Em termos agregados o rendimento disponível dos portugueses baixou em termos reais, registam-se níveis históricos de desemprego e o risco de ficar sem emprego, mesmo no Estado, é elevado. Apesar de se estar perante um quadro de restrição do rendimento os portugueses, no seu conjunto, poupam mais.
O aumento da poupança em tempos de crise parece ser uma regra geral. Um estudo do Tinbergen Institute, com o título "Business Cycle Fluctuations and Private Savings in OECD Countries", da autoria de Yvonne Adema e Lorenzo Pozzi e analisando 19 países por um período de 39 anos conclui que a taxa de poupança é contra-cíclica, isto é, aumenta durante as recessões.
Se a taxa de poupança sobe em período de recessão, amplia as crises na medida em que reduz o consumo. O trabalho de Yvonne Adema e Lorenzo Pozzi revela ainda que a subida da poupança parece ser explicada por motivos de precaução, induzidos pela incerteza associada ao rendimento do trabalho. A restrição de crédito assim como a teoria da equivalência ricardiana - que, simplificadamente, consideram que o défice público é associado a impostos futuros, conduzindo a aumentos da poupança - explicam pior os aumentos de poupança em tempos de crise.
Os autores concluem ainda que a subida da poupança em períodos de recessão pode aumentar o crescimento da economia a longo prazo na medida em que se traduz num aumento da riqueza e da acumulação de capital. E defendem que esse aumento da poupança limita o poder de combate à crise por parte de políticas orçamentais expansionistas. Quer uma como outra conclusão não são demonstradas no trabalho e podem ser discutíveis, não sendo contudo o aspecto que se pretende como essencial neste artigo.
A lição que parece fundamental retirar da regularidade encontrada pelos autores - a poupança aumenta com a recessão por motivo de precaução - é a da importância da confiança.
A conquista da confiança no futuro, a eliminação do nevoeiro que envolve neste momento os horizontes das famílias e das empresas revelam-se determinantes para um processo de recuperação da economia em Portugal como na Zona Euro. As Marias e os Antónios continuarão a limitar os seus consumos, como as empresas os seus investimentos, enquanto não conseguirem ver um palmo que seja do seu futuro. Limpar as nuvens dos horizontes é neste momento a política económica mais poderosa de combate à crise.
helenagarrido@negocios.pt