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Afundados por uma onda recorde de capital de risco

De acordo com dados reportados na passada semana pela Dow Jones, no primeiro trimestre de 2016 foram mobilizados valores recorde de fundos de capital de risco (CR) nos EUA.

Cerca de 13 mil milhões de euros foram angariados neste período, valor que não é tão elevado desde 2000, o conhecido ano da bolha "dot-com," que rebentou logo no ano seguinte.

 

À partida são boas notícias para a comunidade empreendedora, naturalmente nos EUA, mas um pouco pelo mundo, já que as start-ups de sucesso entram quase sempre no mercado americano, e mobilizam fundos locais quando isso acontece. Este tem sido precisamente o caminho de alguns dos projetos empreendedores nacionais com maior potencial, incluindo a Feedzai, a Veniam ou a Outsystems. Capital adicional significa mais recursos disponíveis para apoiar o desenvolvimento de projetos e iniciativas empreendedoras, e potencialmente mais fáceis (e baratos) de aceder. Estes montantes recorde reforçam ainda a crescente atenção que a economia empreendedora tem como instrumento de desenvolvimento empresarial e regional.

 

Mas nem tudo são boas notícias. Este importante crescimento traz também algumas preocupações. Por um lado, pode tornar os empreendedores mais complacentes, já que o acesso fácil a capital coloca menos pressão operacional e de mercado. No entanto, é melhor para todos que projetos sem viabilidade terminem rapidamente e com o mínimo de dispersão de recursos possível. Por outro lado, é possível que a oferta de fundos adicionais e a competição entre estes pelos melhores projetos levem a uma subida pouco sustentada das avaliações das start-ups em que estes investem. Estas valorizações constituem estimativas de um potencial de venda futura, que pode tornar-se mais difícil de realizar quando a expetativa de valorização é muito elevada, ou nunca se materializar. Esta preocupação é particularmente pertinente na medida em que o outro lado do mercado de empreendedorismo, a venda e a comercialização destas empresas, tem seguido uma tendência oposta do CR nos últimos meses. Por exemplo, o mercado global de IPO (ofertas públicas em bolsa) no mesmo período de 2016 foi o pior desde 2009. Nos EUA, apenas foram realizadas oito IPO neste período, e apenas duas destas tecnológicas, comparado com 34 no período equivalente do ano passado. Ou seja, o aumento deste capital pode facilitar a criação de uma nova bolha que, não sendo equivalente à do ano 2000, poderá ter alguns dos mesmos contornos.

 

Mas potencialmente a maior ameaça é no aumento de um desequilíbrio que já existe entre a Europa e os EUA. Mais fundos à entrada do sistema e poucas oportunidades à saída colocam pressão competitiva sobre os fundos mais pequenos, que têm maior risco de desaparecer. O problema é que esta é precisamente a natureza do desequilíbrio que existe entre os dois continentes. De facto, não só os fundos de CR na Europa são, na sua globalidade, cinco a sete vezes inferiores aos dos EUA, mas tendem também a ser mais pequenos na sua dimensão média, e ainda a investir montantes médios igualmente inferiores em comparação com os congéneres no outro lado do Atlântico. Este fenómeno é importante para entender porque é que existem poucas grandes empresas na Europa que nasceram como start-ups relativamente recentes, por contraste ao que acontece na América. De facto, de acordo com a CB Insights Venture, cerca de metade dos investimentos em CR nos EUA são Séries B e mais avançadas, sendo essa fração apenas cerca de 20% na Europa. Essas séries avançadas são sinónimo de crescimento e desenvolvimento, precisamente o que necessitamos na Europa. Assim, se o crescimento do CR nos EUA tiver como implicação o desaparecimento de fundos na Europa, em particular fundos que possam alavancar o crescimento de start-ups, o conhecido "scale-up funding", temos uma notícia globalmente boa com um impacto local negativo. Neste sentido, são importantes as iniciativas ao nível nacional, e sobretudo da Comissão Europeia, para ajudar e potenciar alguns deste "scale-up funding". Em particular, o desenvolvimento de fundos de fundos, em co-investimento com privados, pode ser um caminho importante para continuar o importante desenvolvimento que se tem assistido na ecologia empreendedora da Europa.

 

Diretor da Católica-Lisbon School of Business & Economics

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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