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A praxe e a consciência social

Os hábitos e rituais são importantes para pessoas, famílias e instituições. E são particularmente significativos quando marcam o início de uma nova etapa.

"Sofri contínua tortura

Sofri injúrias e acintes

Lancei tudo em escritura

E nos novatos seguintes

Fiquei pago e com usura"


O Conimbricense, 1905

 

Todos nós, ao longo das nossas vidas, temos bem presente determinados momentos que nos marcaram quando iniciámos uma nova escola, mudámos de emprego, ou nos filiámos a uma coletividade. Algumas experiências foram positivas e deixaram boas memórias que procuramos preservar com orgulho e carinho, outras foram experiências que gostaríamos que regredissem depressa na nossa memória.

 

A entrada no ensino superior é, sem dúvida, um momento marcante que representa também alcançar um dos primeiros objetivos pessoais da vida adulta. É por isso um  momento que vale a pena celebrar e marcar. Nesse sentido, a praxe académica pode ser algo com grande valor para os alunos e instituições. O início do ano é uma oportunidade singular para acolher e celebrar os novos alunos, mostrar-lhes como são desejados e bem vindos a uma nova comunidade, e aproveitar para transmitir alguns dos valores fundamentais da instituição e das suas pessoas.

 

Infelizmente, a praxe académica em Portugal tem uma tradição oposta a esta ideia de acolhimento, integração e transmissão de valores.  É impossível de aceitar que um dos rituais de praxe históricos de Coimbra, o "canelão" (literalmente dar caneladas aos caloiros que entravam na universidade) possa representar, de qualquer forma ou feitio, a tradição académica que a mais antiga das universidades nacionais encarna. E este histórico propaga-se precisamente porque os hábitos, as tradições, se tendem a repetir, como a citação inicial bem ilustra.

 

Neste sentido, é necessário combater a noção e ritual de praxe que estão instalados entre nós. Mas tentar proibir ou penalizar parece-me que não irá resolver o problema. O momento de entrada na universidade é demasiado significativo para ser ignorado ou tratado de forma banal ou corriqueira. Mas não existindo outros modelos, irão subsistir praxes na sua pior encarnação, muitas vezes fora das instalações das universidades, o que apenas aumenta preocupações e riscos.

Penso que devemos ambicionar mudar a atitude e noção do que é a praxe, através de iniciativas conjuntas entre escolas e associações de estudantes, em que exista uma reflexão e identificação de valores e tradições que se querem passar aos novos alunos, e que por isso devem fazer parte das atividades de início de ano pelas quais todos são co-responsáveis. Pode ser uma atividade de empreendedorismo, de cultura científica, de promoção da arte, de cariz social, e muita outras possibilidades.

 

Na Católica-Lisbon há aproximadamente uma década que promovemos a existência de uma praxe. Mas queremos que a praxe reflita os valores de solidariedade e entreajuda que fazem parte  da nossa cultura. E por isso, caloiros e veteranos, em conjunto e de forma alegre e descontraída são convidados a contribuir, em conjunto, para um bem comum para além da faculdade. Trata-se de um Dia Solidário, que pode ser tão simples como pintar uma escola numa zona desfavorecida, mas que acreditamos tem valor para o aluno e simultaneamente gera gratidão na comunidade.  E, gradualmente, tem vindo a alterar a noção e expectativa de todos sobre o que é ou deve ser a praxe.

 

Se for possível fazer este caminho, porventura daqui a uma geração poderemos falar de praxe de forma positiva e construtiva. Porque vai ser sempre "de praxe" marcar a entrada na universidade!

 
Diretor da Católica-Lisbon School of Business & Economics

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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