Opinião
A facilidade com que o PS domina a agenda mediática
Especialmente os trabalhadores do sector privado, não deverão ter ficado radiantes com esta promessa de aumentos na função pública.
Deve estar por aí a rebentar uma crise política. Só pode. É que com a promessa de aumentar os funcionários públicos, António Costa, o eleitoralista irresponsável, está a dar todos os pretextos para que António Costa, líder do "partido da responsabilidade", se demita do cargo de primeiro-ministro.
Talvez nem um nem outro se lembrem já da lendária "crise dos professores", quando o Parlamento decidiu um descongelamento de carreiras e salários dos docentes. Para quem se recorda, o primeiro-ministro apelidou a decisão de "bomba orçamental" e achou que era razão para ameaçar fazer as malas e entregar as chaves de São Bento. Mas, de facto, já foi em tempos imemoriais que essa crise ocorreu. Assim de cabeça, foi para aí há mais de um mês. É natural que António Costa e António Costa não se recordem bem. De qualquer modo, para protegerem a estabilidade da governação é melhor falarem um com outro, a ver se se entendem e evitam que se instale entre eles um Verão quente de tensão político-ideológica e acrimónia pessoal.
Falando mais a sério (ou tentando, porque o assunto quase só dá para rir), o que é mais impressionante nesta história é a facilidade com que o primeiro-ministro manobra a seu bel-prazer a agenda mediática, ao sabor da conveniência de cada momento, dizendo uma coisa hoje e o seu contrário amanhã sem que praticamente ninguém lhe aponte a natureza escorregadia da sua maneira de actuar.
E isso até pode ser culpa da incapacidade dos partidos da oposição. Mas não só: se Costa e o PS conseguem ocupar permanentemente as manchetes, sem serem confrontados com as suas contradições e com as provas da sua reserva mental, é porque de facto há uma opinião pública sem músculo, facilmente moldável pela agenda das "fontes oficiais" e deslumbrada com a política enquanto jogo de estratégia de curto prazo.
Não que agora nos possamos surpreender. Quando Costa armou a crise política por causa da questão dos professores, entrava pelos olhos dentro que tudo não passava de uma farsa. O Parlamento não aprovara nada que tivesse efeitos antes do fim da legislatura, nem que não pudesse ser revertido por uma outra maioria a partir de Outubro. Para além disso, não constava que a maioria "estável e coerente" do PS e seus parceiros fosse menos estável e coerente do que tinha vindo a ser nos últimos anos. A ameaça de demissão era completamente desproporcionada.
Aliás, mais desproporcionada era, ainda, por causa do momento. Como é que foi possível que o primeiro-ministro tenha ameaçado com uma demissão, que a concretizar-se aconteceria a dez dias de umas eleições Europeias, e ninguém lhe tenha perguntado que raio de sentido de Estado era aquele? A resposta é que isso só foi possível porque a generalidade dos jornalistas e comentadores aceitaram a patranha de que o que realmente preocupava Costa era a governabilidade e a estabilidade orçamental. Obviamente não era: o que Costa queria era, por um lado, acabar com a campanha das Europeias, que lhe estava a correr muito mal, e, por outro, consolidar para as Legislativas a narrativa de que o PS é o partido do "centro responsável".
No primeiro objectivo teve inteiro sucesso: basta ver a evolução das sondagens antes e depois da suposta "crise". Quanto ao segundo, vamos ver. Os eleitores que gostaram da postura de Costa aquando da dramatização do mês passado, especialmente os trabalhadores do sector privado, não deverão ter ficado radiantes com esta promessa de aumentos na função pública. Mas a verdade é que, com essa promessa, o primeiro-ministro voltou a determinar a agenda mediática como bem quis, sem que o tenham feito enfrentar a sua própria contradição. Pelos vistos a regra é a de que tudo o que António Costa diz é para levar a sério. E isso talvez diga menos sobre ele do que sobre nós próprios.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
Talvez nem um nem outro se lembrem já da lendária "crise dos professores", quando o Parlamento decidiu um descongelamento de carreiras e salários dos docentes. Para quem se recorda, o primeiro-ministro apelidou a decisão de "bomba orçamental" e achou que era razão para ameaçar fazer as malas e entregar as chaves de São Bento. Mas, de facto, já foi em tempos imemoriais que essa crise ocorreu. Assim de cabeça, foi para aí há mais de um mês. É natural que António Costa e António Costa não se recordem bem. De qualquer modo, para protegerem a estabilidade da governação é melhor falarem um com outro, a ver se se entendem e evitam que se instale entre eles um Verão quente de tensão político-ideológica e acrimónia pessoal.
E isso até pode ser culpa da incapacidade dos partidos da oposição. Mas não só: se Costa e o PS conseguem ocupar permanentemente as manchetes, sem serem confrontados com as suas contradições e com as provas da sua reserva mental, é porque de facto há uma opinião pública sem músculo, facilmente moldável pela agenda das "fontes oficiais" e deslumbrada com a política enquanto jogo de estratégia de curto prazo.
Não que agora nos possamos surpreender. Quando Costa armou a crise política por causa da questão dos professores, entrava pelos olhos dentro que tudo não passava de uma farsa. O Parlamento não aprovara nada que tivesse efeitos antes do fim da legislatura, nem que não pudesse ser revertido por uma outra maioria a partir de Outubro. Para além disso, não constava que a maioria "estável e coerente" do PS e seus parceiros fosse menos estável e coerente do que tinha vindo a ser nos últimos anos. A ameaça de demissão era completamente desproporcionada.
Aliás, mais desproporcionada era, ainda, por causa do momento. Como é que foi possível que o primeiro-ministro tenha ameaçado com uma demissão, que a concretizar-se aconteceria a dez dias de umas eleições Europeias, e ninguém lhe tenha perguntado que raio de sentido de Estado era aquele? A resposta é que isso só foi possível porque a generalidade dos jornalistas e comentadores aceitaram a patranha de que o que realmente preocupava Costa era a governabilidade e a estabilidade orçamental. Obviamente não era: o que Costa queria era, por um lado, acabar com a campanha das Europeias, que lhe estava a correr muito mal, e, por outro, consolidar para as Legislativas a narrativa de que o PS é o partido do "centro responsável".
No primeiro objectivo teve inteiro sucesso: basta ver a evolução das sondagens antes e depois da suposta "crise". Quanto ao segundo, vamos ver. Os eleitores que gostaram da postura de Costa aquando da dramatização do mês passado, especialmente os trabalhadores do sector privado, não deverão ter ficado radiantes com esta promessa de aumentos na função pública. Mas a verdade é que, com essa promessa, o primeiro-ministro voltou a determinar a agenda mediática como bem quis, sem que o tenham feito enfrentar a sua própria contradição. Pelos vistos a regra é a de que tudo o que António Costa diz é para levar a sério. E isso talvez diga menos sobre ele do que sobre nós próprios.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
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