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22 de Dezembro de 2016 às 21:05

Uma utopia para Portugal

No século XIX nasceram e floresceram todas as utopias. No chamado Novo Mundo, especialmente nos EUA, tentaram replicar-se ambientes da Europa.

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Em Indiana, nas margens do rio Wabash, o arquitecto Robert Owen tentou criar uma comunidade chamada New Harmony, cópia de uma vila operária da Escócia. O modelo comunal existiu apenas um par de anos antes de entrar em colapso.

Em meados desse século surgiram cerca de 10 mil comunidades desse tipo só nos EUA. Todas elas queriam criar uma nova forma de vida, perfeita. Esse sonho tinha também uma forte componente literária: Ralph Waldo Emerson era um dos animadores destas comunidades visionárias, criadas longe do mundo urbano. Waldo Emerson, desmoralizado após a morte do seu filho com escarlatina, subsidiou o seu amigo Bronson Alcott numa destas missões. Este era o pai da escritora Louisa May Alcott. Depois de ter criado uma escola em Inglaterra, Bronson regressou aos EUA com o seu guia espiritual, Charles Lane, para criar uma nova utopia, uma quinta onde a terra seria cultivada por militantes vegetarianos. Pela quinta Bronson pagou 1.800 dólares no início de 1843. O nome era óbvio: Fruitlands. A ideia era também criar uma comunidade auto-suficiente. Mas o sonho tinha demasiado de utópico: na quinta só existiam 10 macieiras, todos vestiam túnicas de linho e tomavam banho de água fria, algo que no frio Inverno do local onde estavam era temerário. Muitos dos voluntários depressa desistiram e as dívidas acumularam-se. Em Novembro de 1843 o projecto ruíra, para alívio da jovem Louisa May, que estava cada vez mais preocupada com a saúde da mãe. Mas este tipo de sonhos não morreu. Em 1845 Henry David Thoreau apostou numa nova forma de utopia. Em vez de criar um grupo, tornou-se ermita, tentando descobrir sozinho a felicidade.

 

No globalizado início do século XXI tudo isto parecerá, aos olhos de quem vive num mundo tecnológico e urbano um sonho irrealizável. Talvez a mesma utopia se aplique a um país como Portugal que desde há mais de duas centenas de anos raramente conseguiu resolver dois dos seus maiores pesadelos: a dívida e o défice. Esses impedem qualquer utopia e, com uma fraca elite, não têm permito a criação de um modelo económico e social de país. Continua a navegar-se à bolina, empurrando muitos problemas de fundo para o futuro, enquanto as questões do curto prazo se vão tentando resolver melhor ou pior. Não há reflexão estratégica: há pura táctica de sobrevivência, algo que tem impedido tornar Portugal uma utopia realizável. Daí o fosso entre o interior e o litoral, a contínua emigração de quadros que foram formados com a parca riqueza nacional e que vão contribuir com o seu talento para outras economias, a falta de motivação para o investimento.

A criação de uma economia baseada nos baixos salários também não é solução. Com um Estado que continua a ser determinante e uma sociedade civil frágil e descapitalizada, qualquer utopia nacional parece um sonho irrealizável. Talvez não seja, apesar dos limites da dívida, da austeridade ideológica da Europa e da cultura de competição indiscriminada que os quatro anos de intervenção da troika nos legaram. Talvez este fosse, no quadro dos sinais de perturbação que existirão na Europa e no mundo em 2017, altura para reflectir sobre que país desejamos. 


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