Opinião
O Portugal esquecido
Em 1892, dentro do seu habitual fascínio pelo abismo, Portugal implodiu financeiramente. Julgou-se, inocentemente, que o sistema político se reformaria, depois de ter chocado com a realidade.
Acabaria por cair de podre em 1910. Entre esses anos nada se aprendeu, porque as elites continuaram a dividir entre si as benesses do Estado, os favores e as cumplicidades. Em 1896, o parlamentar José Dias Ferreira tornava claro que, depois da crise, tudo voltava a funcionar da mesma maneira: "Não é de hoje: há anos que está travado um duelo entre o país e a oligarquia política." A classe política, que devorava o país, nada tinha aprendido. Talvez por isso Miguel de Unamuno, por esses dias, tivesse escrito: "É de suicidas o povo de Portugal, talvez ele seja um povo suicida." Mais de um século depois, depois do choque frontal com uma das maiores crises financeiras de que há memória, Portugal parece voltar a patinar na maionese. Como se nada se tivesse passado. A "reforma do Estado", que Paulo Portas mostrou com orgulho desmedido, eram umas páginas feitas com tinta incolor, que repousam numa gaveta qualquer. O Estado, porque durante muito tempo foi acusado de ser o mal, foi-se afastando do interior. Fechou centros de saúde, escolas, e tudo o que cheirasse a poder público. Acabou com sapadores florestais e com os serviços de vigilância. Em troca deu auto-estradas, para que o interior fugisse mais rapidamente para a cidade.
É por tudo isto que a gritaria reinante sobre a falta de Estado no interior soa agora a comédia. São, curiosamente, os que mais contribuíram para a remoção do Estado do interior que agora mais falam. Muitas vezes a política é o outro lado da moeda da hipocrisia. Mas deveria haver alguns limites. O Portugal do Terreiro do Paço esqueceu e desertificou o interior. E agora espanta-se com o que se vê. Milhares de pessoas ficaram agora sem nada. Aquilo que as prendia a esses locais, a terra, são agora cinzas. Agora ou o Estado actua rápida e eficazmente ou o deserto humano do interior crescerá ainda mais.
Grande repórter