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A revolução de Madonna

Hoje vivemos num mundo que parece ter sido antecipado por Madonna: o dos "voyeurs". A sua constante mudança de imagem mostra como entendeu este mundo de mudanças rápidas, onde nada é seguro nem sequer para sempre.

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Entremos, por momentos, na máquina do tempo e regressemos a 1983, o ano em que Madonna saltou para o palco da fama. Ronald Reagan estava no poder nos Estados Unidos e Margaret Thatcher esmagava os trabalhistas nas eleições britânicas. A economia dava finalmente sinais de recuperação. O mundo sombrio de finais dos anos 70 estava a ficar para trás e a era da globalização financeira estava a nascer. É neste momento de transição que surge Madonna. Não é um acaso. O seu primeiro êxito internacional, desse ano, chama-se "Holiday", numa versão remisturada pelo seu então namorado, o DJ John "Jellybean" Benitez. Na altura, Madonna já tinha forte sucesso no mundo "underground" de Nova Iorque. Depois de anos de música rock que estava em consonância com os anos de crise, a sociedade libertava-se e buscava o prazer e a libertação dos tempos austeros. Madonna era um raio de luz. Nos seus anos mais obscuros Madonna tinha cirandado pelo mundo do rock, tocando bateria e guitarra, mas o seu foco era ser vocalista e líder e não simples membro de uma democracia que impõe um grupo. Nas pistas de dança encontrou o seu fiel público. A transformação da estética liberal do "Do It Yourself" que tinha sido determinante para a estética punk servia às mil maravilhas para Madonna: ela simboliza este novo mundo que se estava a criar, individualista, hedonista, sem fronteiras. Wall Street, por esses dias, renascia, depois de uma década de resultados deprimentes.

 

Madonna determinou o modelo de estrelato que hoje domina o mundo musical: as divas alternam baladas com temas propícios à dança, e criam espectáculos deslumbrantes recheados de sexualidade. Madonna é a artista pop por excelência, a precursora destes dias líquidos de hoje, da pós-modernidade que se instalou nas sociedades ocidentais após a década de 80. Está tudo nos seus discos e nas formas diferentes como foi trabalhando a sua imagem, adaptando-se a cada momento. A sua longevidade tem que ver com esta capacidade de adaptação. Sabe que a idade do consumo obedece à necessidade de novidades constantes e, assim, aprendeu que era necessário reciclar tendências "underground" para as tornar "mainstream". Tal como fazem hoje as empresas de moda.

 

Hoje vivemos num mundo que parece ter sido antecipado por Madonna: o dos "voyeurs". A sua constante mudança de imagem mostra como entendeu este mundo de mudanças rápidas, onde nada é seguro nem sequer para sempre. Desde o arranque com "Holiday" e do álbum com o seu próprio nome em 1983, passando pelo nascimento da estrela techno-pop com "Like a Virgin" (de 1984), ou pelo olhar libidinoso ao mundo dançável com "Into the Groove" em 1984, o choque frontal com a moral em "Papa Don't Preach" de 1986 ou a transformação em "Evita" (de 1997), há muitas imagens de Madonna. Até como sublimação do ícone Marilyn Monroe, a musa da América do século XX. Madonna legou-nos uma leitura do mundo desde a década de 80 que poucos outros músicos conseguiram. Por isso, ela é um dicionário das mudanças sociais destas últimas décadas. Basta ouvir os seus discos desde esses anos, olhar para a sua imagem e confrontar isso com o que mudou na política e na economia.

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