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A minha Manchester

Manchester é hoje uma cidade de dor. E de relativa alegria, pela vitória do Manchester United na Liga Europa. Para mim Manchester é muito mais. Representa a cidade industrial que se soube reinventar.

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Algo que eu, nascido numa cidade que vivia à volta de grandes fábricas, sempre vi como um reflexo e uma motivação cultural. Se o fascínio pelo Manchester United, de George Best a Alex Ferguson (o escocês que acabou por ser um dos conselheiros de Tony Blair, quando este era primeiro-ministro, em questões de estratégia e de gestão de recursos humanos), sempre existiu, outro houve mais sólido.

 

 A cidade de Manchester, como a conhecemos, e depois de um processo de decadência industrial que a tornou mórbida e quase sem vida, seria inimaginável sem os músicos e as instituições que ali despontaram: a Joy Division, os New Order, os Smiths, a Haçienda, o já falecido patrão da Factory Records, Tony Wilson. Wilson, nesse aspecto, foi um elemento crucial para a mudança de uma cidade pós-industrial sem futuro visível para uma onde a cultura funcionou como mola de crescimento económico e social. Uma lição para muitas das interrogações que ainda hoje povoam certos meios nacionais.

 

A paixão de Tony Wilson por Manchester tinha a ver com o orgulho de viver naquela cidade. Acreditava no potencial de futuro da sua cultura urbana e dos seus jovens, numa altura em que todos achavam que a cidade não tinha qualquer destino. Tony Wilson não era um homem qualquer: era apresentador de televisão na Granada (produtora de uma das melhores séries de televisão que vi, "A Jóia na Coroa", de 1984). Tinha ideias fortes. E elas concretizaram-se quando criaram a Factory Records, em 1978, que era uma forma de libertar Manchester do centralismo musical de Londres, e dar voz aos múltiplos talentos ali existentes.

 

Wilson, muito influenciado pelo situacionismo, via a Factory não como um negócio normal, mas como uma locomotiva para permitir a regeneração cultural da cidade. Algo que lhe daria músculo económico, em troca. Foi a Durutti Column, de Vini Reilly, que primeiro assinou pela editora. Mas foi a Joy Division, de Ian Curtis, que lhe deu forma e conteúdo. Era a voz de uma cidade desolada em busca de um destino. Quando a Joy Division assinou pela Factory, o contrato foi rubricado com o sangue do próprio Tony Wilson: os artistas eram proprietários de tudo, a editora de nada. O oposto do que era a norma então na indústria musical.

 

O tempo da Factory passou. Mas as suas sementes germinaram e tornaram Manchester um pólo cultural e empresarial dinâmico. Foi aí que a cultura e a economia se encontraram. Abrindo janelas para o futuro. Agora tudo foi ensombrado por quem renega o futuro em nome do medo presente. Talvez por isso apetece lembrar o que Ian Curtis escreveu num dos grandes temas da Joy Division, "Decades": "Here are the young men, the weight on their shoulders, Here are the young men, well where have they been? We knocked on the doors of Hell's darker chamber, Pushed to the limit, we dragged ourselves in, Watched from the wings as the scenes were replaying, We saw ourselves now as we never had seen". 


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