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A cidade e as serras

Os incêndios não se combatem só com aviões e helicópteros. Evitam-se com pessoas no terreno. Mas isso implicava uma alteração do modelo económico reinante.

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Jacinto de Tormes é, em "A Cidade e as Serras", a personagem que Eça de Queiroz utiliza para chicotear ironicamente a elite nacional (na altura "afrancesada"), que lança foguetes por causa do "progresso" urbano e limpa da lapela o pó da cultura campestre do país. Nesses finais do século XIX já se cultivava esta triste sina nacional que ajudou à desertificação de tudo o que não era litoral e do que estava para lá de Lisboa. Em pleno século XXI, a mentalidade pretensamente moderna não se modificou. Fala-se do "interior" por causa dos incêndios e do "desenvolvimento", mas são tudo palavras espalhadas ao vento, que perecem como cinza quando caem. Tudo se centralizou em Lisboa (e, nalguns casos, no Porto), enquanto, excepto as auto-estradas que deram alimento a muitas bocas, o litoral se foi desligando do interior. Este, primeiro, ficou sem pessoas, que encontraram na emigração a solução para a miséria e o desprezo a que foram votados. Depois, o centro político foi retirando o poder do Estado (centros de saúde, escolas, tribunais) que davam algum corpo à possibilidade de ali estar uma população mais jovem e actuante. Com isso, o que era fundamental, criar cidades e vilas fortes no interior, nunca foi uma prioridade.

 

Os incêndios não se combatem só com aviões e helicópteros. Evitam-se com pessoas no terreno. Mas isso implicava uma alteração do modelo económico reinante. Talvez assim as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa façam mais sentido: "Até digo mais, a legislatura que começa para o ano e vai até 2023 é essencial para se perceber se conseguimos reduzir ou não as desigualdades que existem em termos territoriais." Só não entenderá quem não quer? Mas quererá o poder político olhar para lá da cidade? Talvez, inesperadamente, a tentativa de Câmaras Municipais como a de Lisboa de "proibirem" que os portugueses vivam no centro da cidade, devido à pressão imobiliária, leve a que outros pólos se criem, longe destes condomínios para turistas e estrangeiros ricos. Resta o Estado querer.

 

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