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15 de Outubro de 2020 às 20:10

Notas sobre o Orçamento para 2021

O que é preciso é negociar regimes de carreiras que sejam compatíveis com as metas da despesa pública. O país não deve viver permanentemente com regimes de carreiras que são muito generosos, mas cujo funcionamento está sempre a ser suspenso.

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O Orçamento do Estado para 2021 é apresentado num cenário de grande incerteza quanto à evolução da economia, como é atestado pela grande variabilidade das projeções macroeconómicas. As previsões feitas no Orçamento do Estado, de contração do PIB real de 8,5% em 2020 e de crescimento de 5,4% em 2021, são endossadas pelo Conselho das Finanças Públicas, mas este Conselho alerta, e bem, para a grande variabilidade das projeções feitas por todas as organizações internacionais. O desvio-padrão entre estas projeções, que mede a dispersão dos valores, é oito vezes superior ao que acontecia no Orçamento para 2020, o que significa que não estamos a discutir diferenças de uma ou duas décimas, mas de um ou dois pontos percentuais de crescimento. A possibilidade de desvio é grande e não podemos excluir que, por muito rigorosa que seja a execução orçamental, este não seja o último Orçamento que é apresentado para 2021.

De qualquer forma, sabemos que a riqueza criada em Portugal em 2021 será significativamente inferior à de 2019. Mesmo com a recuperação estimada pelo Ministério das Finanças, o PIB de 2021 será 3,5% inferior ao de 2019. A dimensão da recessão é grande e requer medidas orçamentais significativas.

Olhando para as medidas do Orçamento, vemos que elas se concentram em áreas cuja escolha é compreensível no duplo contexto de pandemia e recessão. Há uma prioridade no reforço de meios humanos e materiais na saúde, representando 450 milhões de euros (num aumento total da despesa da saúde de 756 milhões de euros). Apoia-se diretamente o rendimento das famílias, quer em termos gerais, quer de forma dirigida aos que mais perdas têm ou estão em maior risco de pobreza. São também prolongados em 2021 os efeitos de medidas já em vigor, como o incentivo fiscal ao investimento, o regime fiscal especial de consideração de prejuízos e o apoio à manutenção de emprego e retoma da atividade.

Este conjunto de medidas temporárias (acrescido das medidas estruturais que aqui não vou detalhar) soma-se ao efeito conjuntural sobre o saldo orçamental para determinar um défice orçamental de 4,3% do PIB. Este valor sofre críticas tanto dos que acham que se faz pouco como dos que acham que se gasta o que não se tem. Creio antes que este orçamento procura um equilíbrio. Sabemos que um défice é virtuoso em contexto de recessão (e que o apoio ao rendimento não apoia apenas as famílias, mas também as empresas, porque reforça a procura). Mas sabemos também que a dívida pública de que se parte é pesada e que as possibilidades do seu aumento não são infinitas. Deve assinalar-se como positivo que se preveja já para 2022 um regresso a uma situação de défice inferior ao limite de 3%.

É claro que se poderia procurar outro equilíbrio das medidas. Tenho visto nomeadamente criticar a manutenção das progressões na administração pública. Num contexto em que não há aumentos para estes trabalhadores, os efeitos de carreira fazem crescer a despesa salarial na administração pública em 3% (750 milhões de euros).

A medida tem naturalmente efeitos positivos de conjuntura, porque apoia a procura. Mas é preciso sobretudo realçar que o valor de 3% resulta do facto de estarmos no último ano de um regime transitório que está a acomodar as progressões congeladas durante uma década – não é assim o ritmo de crescimento que acontecerá passado o período transitório. Em “velocidade de cruzeiro”, o aumento deve ser inferior ao ritmo médio de crescimento normal do PIB. Inferior porque essa despesa tem de acomodar a necessidade de contratação de jovens técnicos qualificados para o Estado. Em todo o lado se faz sentir a falta desses quadros e o envelhecimento dos que existem – a um ponto que vai comprometendo o desempenho das funções públicas e a necessária passagem de conhecimento a gerações mais novas.

Se aquela limitação para o crescimento da massa salarial não se verificar no primeiro ano “normal”, o que é preciso é negociar regimes de carreiras que sejam compatíveis com as metas da despesa pública. O país não deve viver permanentemente com regimes de carreiras que são muito generosos, mas cujo funcionamento está sempre a ser suspenso.

 

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