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Passos perdidos

À entrada do fim-de-semana o primeiro-ministro tinha pela frente quatro decisões importantes: que fazer quanto ao orçamento de 2013, dadas as derrapagens na execução, o descalabro económico e social do país e a decisão do Tribunal Constitucional (TC)? Que fazer quanto aos cortes de 4.000 M€ na despesa em 2014 e 2015 que acordou com a Troika apresentar este mês? Que fazer quanto à composição do Governo, dada a inevitabilidade de mexer colocada pela saída de Miguel Relvas? Como retomar a liderança e a iniciativa quando o descrédito no Governo e na política económica é tão geral?

O momento e as circunstâncias são muito na política. Quando geridos com inteligência e habilidade podem transformar crises em momentos de viragem. E permitem afirmar as qualidades da liderança política. Mas Passos é Passos e o fim-de-semana foi o que foi.


Quando poderia aproveitar a decisão do TC para reforçar a posição negocial do país junto da Troika (juntando os limites constitucionais às recessões interna e europeia e à manutenção de sobrecustos no financiamento às empresas em níveis totalmente anticoncorrenciais) Passos fez o oposto. Atacou o TC, para lá do que o regular funcionamento das instituições admite, e pôs-se na 1.ª linha de defesa de mais austeridade.

É verdade que o ataque ao TC procura esconder as responsabilidades do Governo na situação actual e encontrar um bode expiatório para o desastre que se avizinha. Mas a questão imediata é que Passos aproveitou a decisão do TC (tudo somado menos de 0,6% do PIB, menos de 1/3 do desvio causado pelo Governo), não para proceder à correcção da estratégia orçamental, mas sim para ganhar espaço junto do país para avançar com o corte de 4000 M€ nas funções sociais.

Ao mesmo tempo, quando para a execução da sua própria política deveria ter alargado o campo de possibilidades, demonstrado flexibilidade e pragmatismo, Passos optou por limitar as opções, estreitar os caminhos e escolher o confronto através do radicalismo ideológico. Em vez de submeter qualquer medida ao teste do equilíbrio entre benefício financeiro, justiça social e impacto recessivo, Passos prefere alimentar a simplória dicotomia "impostos maus/corte na despesa bom", sabendo, claro, que há cortes bem mais estúpidos, mais recessivos e socialmente mais injustos que aumentos de impostos. Passos abdica da eficácia e da equidade para obter os "favores da sua turma", procurando reunir as "tropas" para a última cruzada. Assume assim com clareza a que sempre foi a motivação de primeira hora que vários, toscamente, tentam esconder. O que une e motiva o núcleo central desta maioria não é mobilizar o país para todos sairmos da crise. O que verdadeiramente os une e motiva é mudar o regime social em que vivemos, em favor de uns quantos e dos seus interesses.

Quando poderia ter mostrado clareza e liderança, Passos revelou hesitação, incerteza e uma confrangedora fragilidade política. Num momento importante Passos deixou instalar a ideia da possível demissão do executivo, a existência de profundas divisões internas quanto à estratégia política a seguir e nem conseguiu lidar com aquela que é a sua função indelegável: a composição do Governo.

Mas talvez o pior sinal é ter anunciado a linha política de prosseguir com a austeridade, mas não ser capaz de anunciar uma única medida, ou uma única decisão. Pelo contrário, buscou o conforto do Presidente, lançou apelos quase patéticos ao "consenso" (sobre quê?) e ao contributo de todos, mostrou medo, hesitou e prolongou a incerteza. Mas sustentar linhas políticas, apresentar medidas e defendê-las não são os serviços mínimos de qualquer Governo com maioria parlamentar digno desse nome?

Por fim, quando o primeiro-ministro deveria ter todas as energias concentradas em procurar uma trajectória credível de ajustamento para a nossa economia e em mobilizar o país para a sua defesa junto dos nossos credores (agora que muito do que é fundamental se alterou face ao que era previsível há dois anos atrás, nomeadamente a procura externa e o nível da dívida), vemos unicamente um chefe partidário preocupado em encontrar o bode expiatório do 2.º regaste que antecipa. Não é fácil imaginar um fim-de-semana pior.

Economista. Deputado do PS.

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