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[522.] Optimus, Zon e Benfica TV, BMW

A intertextualidade permite ultrapassar a natureza instável da publicidade como género através da colagem à estabilidade dos géneros de TV e cinema. Estes emprestam o seu prestígio aos anúncios, mascarando a natureza publicitária de venda de produtos de consumo

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Anúncios recentes recordam-nos como o cinema e a TV são uma permanente inspiração para a publicidade. A campanha de Verão do Kanguru da Optimus regressa à paródia de Marés Vivas. João Mazarra e companheiros fazem de Mitch e Ca, salvando os jovens veraneantes que querem aceder à Internet. Na paródia vale tudo, incluindo uma miúda que leva o portátil para a praia. Os planos imitam o kitsch da série televisiva, gozando, como a publicidade costuma fazer, não tanto com o original, mas para fundamentar o humor da própria campanha. 


Acontece o mesmo com um anúncio da Zon e da Benfica TV, que parodia o filme 2001, Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick (1968). É uma intertextualidade inesperada, porque, sendo um filme hoje de culto, não se esperaria que servisse de base à narrativa audiovisual do anúncio dum canal popular e de desporto.

Começa num campo, com um benfiquista tipo coach potato, identificado pela camisola, a correr pelo campo. A imagem é gozada, porque o lugar do coach potato é sentado no sofá, o dia todo em frente do televisor, com o telecomando na mão. Este badocha traz, de facto, o comando na mão numa correria em câmara lenta, ao som do arranque de Assim Falava Zaratrusta, de Richard Strauss, música marcante no filme. Lança-o ao ar, como o macaco do filme lança ao ar o osso com que acabara de inventar o primeiro utensílio. O plano de novo repete a imagem do filme. Depois de lançar o telecomando à água, passa-se por plano de corte para o lugar de eleição do coach potato: no sofá, a ver a Benfica TV. Em contracampo, a mulher (ele é casado, a caminho da meia-idade, como o público-alvo do anúncio) pergunta pelo comando, e ele diz que não sabe, para ter o televisor ligado 24 horas no seu canal de eleição, uma "odisseia".

Estes dois anúncios permitem entender as razões do recurso à intertextualidade do cinema e da TV. Em ambos os casos, os conteúdos originais serviram de inspiração e forneceram narrativas já estruturadas. Além disso, facilitam a identificação, ao usarem conteúdos da cultura popular, com algum prestígio ou popularidade associados, e que permanecem no "museu imaginário" da memória colectiva. Nem é preciso que os miúdos actuais tenham visto Marés Vivas ou que os benfiquistas conheçam 2001, basta a inspiração e a vaga ligação que possam eventualmente ter com eles.


Mas os próprios anúncios, enquanto publicidade, têm de prever a possibilidade de os espectadores não conhecerem o original, pelo que devem ter autonomia no humor e na narrativa. Há uma outra função: a intertextualidade permite ultrapassar a natureza instável da publicidade como género através da colagem à estabilidade dos géneros de TV e cinema. Estes emprestam o seu prestígio aos anúncios, mascarando a natureza publicitária de venda de produtos de consumo.

Um anúncio de motorizadas BMW, já com alguns anos, mostra a utilização do cinema como inspiração pura, sem necessidade de que os observadores reconheçam a referência cultural: um bebé de chucha mostra nas mãos as palavras "love" (mão direita) e "hate" (mão esquerda), remetendo sem tirar nem pôr para a personagem de Robert Mitchum no genial filme The Night of the Hunter, de Charles Laughton (1955). Diversos cartazes recentes retomam o filme, com Mitchum mostrando as duas mãos (numa posição que, julgo, não sucede exactamente no filme). A imagem do filme é tão memorável que bastou, apenas por inspiração, para um anúncio de impacto.

 

 

eduardocintratorres@gmail.com

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