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22 de Maio de 2017 às 20:01

O Forrest Gump do mal

O documentário chega a dar a entender que Trump não existe, que não passa de mais um títere nas mãos de Roger Stone. A tese chega a ser assustadoramente plausível quando são contrapostos declarações e tweets de um e de outro.

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Quando tenho dúvidas sobre o que dizer, sobre o que pensar, recorro à boa poesia, ela tem o dom de nunca me faltar. É o caso agora. Como dizer bem de um retrato do mal?

 

Responde-me Mário Quintana:

 

"Todos tem seu encanto: os santos e os corruptos.

 

Não há coisa na vida inteiramente má.

 

Tu dizes que a verdade produz frutos...

 

Já viste as flores que a mentira dá?"

 

É possível, é mais do que provável que Roger Stone nunca tenha lido o poema acima, chamado "Do Bem e do Mal". Se lesse, teria gostado. Teria até pedido para usar no seu epitáfio.

 

Mas antes que Roger morra, vamos à sua vida, biografada no documentário "Get Me Roger Stone", recém-lançado pela plataforma Netflix.

 

Se nunca viu o demónio em carne e osso, será uma boa maneira de o fazer. Mas preste atenção, Roger Stone não é um satanás de pacotilha, um Belzebu de trazer por casa ou um Lúcifer contrafeito.

 

Não espere coisas óbvias como chifres e rabos pontudos (quanto ao cheiro de enxofre, há quem diga já ter sentido). Roger é um Mefistófeles moderno, um tinhoso com charme, desses que tiram PHD em maldades, fáceis de encontrar em corretoras de valores, partidos, redações de jornais ou bancas de advogados.

 

Logo no começo do filme alguém dá a dica: "Roger Stone é o Forrest Gump do mal". Procure qualquer momento de crise na história política americana nos últimos 40 anos e encontrará as suas impressões digitais dele.

 

Estratega de comunicação, marqueteiro político, mestre do spin-off, eminência parda, manipulador de marionetas humanas, ventríloquo de homens públicos, Roger tinha apenas 19 anos quando teve de depor sobre o seu envolvimento no caso Watergate. Depois, seguiu como fiel assessor de Nixon (com uma devoção tão religiosa que chegou a tatuar a cara do malgrado ex-presidente americano nas costas).

 

Sua influência continuou  a se fazer sentir desde a era Reagan até aos dias de hoje. É um dos pais da nova direita americana, populista, demagógica e radical. Foi dele a ideia, décadas atrás, de lançar o seu velho amigo Donald Trump candidato a presidente dos EUA.

 

O documentário chega a dar a entender que Trump não existe, que não passa de mais um títere nas mãos de Roger Stone. A tese chega a ser assustadoramente plausível quando são contrapostos declarações e tweets de um e de outro. Na maior parte dos casos não são só os pensamentos que são semelhantes, as palavras e frases são idênticas.

 

Se tudo isso não bastasse, Stone ainda é um poço de surpresas e contradições. Apesar de velho, continua culturista (exibe um caparro de fazer inveja ao Schwarzenegger). Apesar de reacionário, é ativista dos direitos dos homossexuais.

 

"Get Me Roger Stone" vale a pena ser visto como uma espécie de masterclass sobre como o mal pode ser genial. O que não deixa de ser um importante aviso: a virtude para ser bem cultivada precisa de pessoas que compreendam o seu contraponto. Quando vemos um satã profissional como Roger atuar, sentimo-nos alertas e questionamos as nossas certezas e o poder de fogo dos nossos santos.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo: "O diabo é muito otimista quando pensa que pode piorar as pessoas".

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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