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20 de Junho de 2019 às 18:05

No céu de Cannes, vejo pó de estrelas

A renovação é o grande motor da vida. Quem não muda, morre. Quem não acredita no futuro não merece lá estar. Há que andar na velocidade dos mais novos ou sair da frente para não empatar a faixa.

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Reciclo o escrito pelo poeta Ernesto Cardenal: "O que há numa estrela? Nós mesmos. Todos os elementos do nosso corpo e do planeta estiveram nas entranhas de uma estrela. Somos pó de estrelas."

 

Revisitar o passado tem dessas coisas, vemos nos lugares por onde passamos resíduos do que fomos. É o que sinto ao passear pelo Palais des Festivals, onde decorre mais uma edição dos Cannes Lions, o mais importante evento de publicidade mundial.

Para quem não é da área, é fácil explicar: trata-se de um megacongresso de publicitários, como acontecem nas outras profissões, desde os dentistas aos vendedores de automóveis. A diferença é que os publicitários não sabem disto. Pensam que trata-se de uma mostra cultural ou de uma espécie de olimpíadas onde não é preciso suar.

 

O engano até faz sentido. A publicidade é uma parte importante da cultura de massa. E toda a competição onde é difícil ganhar remete para o alto atletismo.

 

Há quase 30 anos que venho a Cannes. Não todos os anos, mas anos o suficiente para já ter sobrevivido a algumas gerações. Os veteranos que lá estavam para dar-me boas-vindas, em 1992 (ano da minha primeira visita), já se reformaram ou morreram quase todos. Muitos do que vieram a seguir também. E a seguir dos a seguir (vale lembrar que esta é uma atividade desgastante e efémera).

 

Agora vem a parte que interessa aos que não têm a publicidade como profissão. O que sente um tipo que regressa tantas vezes ao mesmo lugar? O que aprende? Que lições tem a ensinar?

 

Uma das coisas que mais me salta aos olhos é que a nostalgia tem pouco ou nenhum interesse. Quem vive de passado é museu. O mundo é o hoje e o agora.

 

Isto não veio com os "millennials", sempre foi assim. E não deve ser motivo de tristeza ou melancolia. Pelo contrário. A renovação é o grande motor da vida. Quem não muda, morre. Quem não acredita no futuro não merece lá estar. Há que andar na velocidade dos mais novos ou sair da frente para não empatar a faixa.

 

Ageismo? Existe. Mas não pode limitar como nos vemos. Não há nenhuma lei que proíba pessoas experientes de serem curiosas. Descobrir outros pontos de vista, outras perspetivas é a verdadeira fonte da juventude. O oposto disto é deixar que as rugas na alma e no coração toldem o seu raciocínio.

 

Advogo um caminho bem direito. Acredito que ser decano dá-me alguma propriedade sobre o que se passa todos os anos neste Palais onde escrevo este texto. Eu já estava aqui quando foram dados os primeiros passos do que hoje é aplaudido.

 

Não preciso pedir nenhuma autorização para continuar a ser produtivo, nem espero que a rapaziada de 20 e poucos anos que anda à minha volta compreenda o que penso. Esta não é a função deles.

 

Fico feliz de, depois de quase quatro décadas, persistir a trabalhar no que gosto e ainda ser um elemento visível no imenso e vasto céu publicitário (sempre pejado de astros, cometas e supernovas). Este ano sou júri do festival e com esta função ajudo a definir os critérios daquilo que pode ser considerado bom. É uma tarefa mais humilde do que parece (ao menos é assim que a encaro). Ano que vem logo se vê.

 

Aos que querem uma moral da história, o meu Tio Olavo recomenda uma canção de Jorge Drexler: "Toda vitória é nada/ Toda vida é sagrada/ Um conjunto de moléculas/ Postas de acordo/ De forma provisional/ Um animal prodigioso/ Com a delirante obsessão de querer perdurar/ Não deixaremos rastro/ Só pó de estrelas."

 

Publicitário e Storyteller

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