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16 de Outubro de 2017 às 19:52

Ninguém é feliz sozinho

Numa palestra ouvi: "O cinema brasileiro tem tantos problemas de financiamento que os nomes que aparecem no fim dos filmes não são créditos, são débitos."

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Caetano Veloso, numa canção, parafraseia Fernando Pessoa para afirmar "a minha pátria é a minha língua".

 

Gosto dessa frase fora do contexto em que é dita, tanto na música de Caetano (um levante irónico propondo revoluções linguísticas) quanto na escrita de Pessoa (uma ode à ortografia).

 

Faz parte. Os bardos dizem/escrevem o que desejam, as pessoas ouvem/leem o que querem.

 

Passei os últimos quatro dias da semana passada a conviver com profissionais da escrita para o audiovisual luso-brasileiro (no evento "A Quatro Mãos", promovido pela Academia Portuguesa de Cinema, em que também dei uma ajudinha).

 

Foi uma oportunidade única de descobrir que tanto do lado de lá como do de cá do Atlântico não é fácil nem óbvio fazer ficção em português.

 

Numa palestra ouvi: "O cinema brasileiro tem tantos problemas de financiamento que os nomes que aparecem no fim dos filmes não são créditos, são débitos."

 

Mas o encontro não foi um desesperante constatar que a vida é difícil. Ao contrário, a impressão que retive é que foi mais um (importante) passo para que essa indústria criativa funcione com vasos comunicantes entre os dois países.

 

Isto já acontece na publicidade. Há décadas. Mas foi complicado lá no começo. Lembro-me de em 1992 ter promovido um evento em que grandes nomes da publicidade brasileira vinham palestrar em Lisboa.

 

Caíram o Carmo e a Trindade na minha cabeça. Houve um boicote promovido pelos gestores de algumas das maiores agências de publicidade (nalguns casos, proibiram os seus funcionários de participarem da coisa), profissionais a torcerem os narizes, temendo perderem espaço para publicitários imigrantes, fui ameaçado de demissão por estar por trás da coisa.

 

O resultado foi bem diferente do que imaginavam. Quem veio passou de peito aberto as suas experiências e conhecimentos. Ao menos duas novas empresas foram abertas em Lisboa como consequência direta do evento. Ninguém morreu, ninguém perdeu o emprego.

 

Foram azeitadas as roldanas da porta giratória entre os dois mercados. Num primeiro momento, vieram mais brasileiros para cá. Num segundo momento, muitos publicitários portugueses conquistaram os seus espaços no Brasil (alguns com grande destaque).

 

Quando criei o "naming" do evento ("A Quatro Mãos") o que queria era justamente destacar o espírito de parceria que pode (e deve) haver entre os meus países.

 

Portugal e os portugueses têm coisas a oferecer que interessam aos brasileiros. E vice-versa. E versa-vice.

 

Quem tem medo dessa relação está errado e fora do tempo. Quem não foi ao "A Quatro Mãos", por preguiça ou por querer sublinhar que não acredita que a indústria de escrita para o audiovisual em português vai vicejar como nunca, perdeu o autocarro da história.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo, a cantar um verso de Tom Jobim e a exasperar-se com que defende a política do orgulhosamente sós: "Ninguém é feliz sozinho."

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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